Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 14, 2008

MILLÔR

PEQUENOS ERROS

I "Bonito, bonito mesmo, Vinicius, essa música vai colar. Todo mundo vai cantar Uma nuvem só acontece se chover", dizia eu ao poeta. Mas, olhaqui, Vinicius, pela meteorologia a chuva só acontece se nuvear.

II Essa agora nos matava de inveja. A Elis Regina cantando, no grande festival da Recór, de 64: "Olha o arrastão entrando no mar sem fim!". Vinicius fez com o Edu. Um arraso. Mas, de novo, Vina, você sabe muito bem que o arrastão não entra no mar. O arrastão sai do mar. Os barcos vão lá pra fora, "onde tá dando", os barqueiros jogam as redes. Quando o peixe enche as redes, os pescadores vêm pra praia e arrastam-nas (!) pelos cabos. Daí o nome arrastão. Cansei de ajudar a puxada na praia de Ipanema. Eu continuo lá, os barcos também, e o mar, o de sempre. Mas não tem mais arrastão. Penso que está proibido. O que não está, agora? Acho que não é politicamente correto.

III E Iracema, de José de Alencar, vocês leram? Zé, o precursor do indianismo – de índios agora sendo cercados por grileiros e legislações –, criou essa mítica Iracema, extraordinária índia tabajara. O escritor cearense exibe-a como maravilhoso símbolo sensual primitivo do século XVII, eternizando-a como a virgem dos lábios de mel. E todo mundo passou a repetir o epíteto. Mas nós, do Pasquim, estudiosos de modos e costumes, achamos pouco. Avançada pro seu tempo. Iracema era mais do que sensual, era sexual. E passamos a chamá-la de a virgem dos grandes lábios de mel.

IV E vamos falar de Peri & Ceci, do Guarani, do mesmo Zé Alencar. O máximo em matéria de amor romântico. Mas também romance precursor, pois acontecido entre um índio e uma grã-fina branca, de ascendência européia. Duas classes sociais distintas, duas situações econômicas distintas, duas raças distintas, com hábitos, maneiras – e línguas! – distintas. E no entanto o amor explode entre Peri e Ceci, unindo os indivíduos, negando tudo o mais. E Peri e Ceci se juntam e vão, pretendem ir, embora (não me perguntem pra onde, talvez um quarto-e-sala conjugado).

Mas, testando o casal e seu extraordinário amor, vem o grand finale do romance. A tempestade. Mais que isso – o tsunami, o dilúvio. Dou a palavra a Alencar:

"Então passou-se sobre esse vasto deserto de água e céu uma cena estupenda, heróica, sobre-humana, uma sublime loucura.Peri, alucinado, suspendeu-se aos cipós que se entrelaçavam pelos ramos das árvores já cobertas de água, e com esforço desesperado, cingindo o tronco da palmeira nos seus braços hirtos, abalou-o até as raízes. Três vezes os seus músculos de aço, estorcendo-se, inclinaram a haste robusta; e três vezes o seu corpo vergou, cedendo à retração violenta da árvore, que voltava ao lugar que a natureza lhe havia marcado.

Houve um momento de repouso em que o homem, concentrando todo o seu poder, estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto foi terrível; e pareceu que o corpo ia despedaçar-se nessa distensão horrível. Ambos, árvore e homem, embalançaram-se no seio das águas: a haste oscilou; as raízes desprenderam-se da terra já minada profundamente pela torrente.

Peri estava de novo sentado na árvore junto de sua senhora quase inanimada: tomou-a nos braços. A palmeira, arrastada pela torrente, sumiu-se no horizonte".

Comentário do Millôr: foi a primeira vez, neste país, em que os colonizados começaram a destruir o meio ambiente pra servir às classes dirigentes.

GRANDES EQUÍVOCOS

V E vocês todos, que freqüentaram escolas (sem ser as de samba), aprenderam, e sempre repetem, que "as paralelas só se encontram no infinito". Primeiro nem vocês nem eu sabemos onde fica esse infinito onde as paralelas vão se encontrar matemática e filosoficamente. E, aqui pra nós, a frase não é verdadeira. O que só se encontra no infinito, seja onde for, é uma linha da paralela com relação à outra linha da mesma paralela. Pois paralelas (as duas linhas juntas) se encontram em toda parte. Vejam, por exemplo, nesta foto do grande José Medeiros, no belo álbum Olho da Rua (Aprazível).

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