Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 15, 2008

Merval Pereira - Em busca do futuro

Em busca do futuro
O governador do estado do Rio, Sérgio Cabral, está lendo o livro “A lei e a ordem”, do professor Ralf Dahendorf, diretor da London School of Economics, que, usando a experiência da infância em Berlim, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, no espaço de tempo entre a debandada do exército nazista derrotado e a ocupação da cidade pelo exército russo, analisa as conseqüências da anomia que se instalou na cidade, com atos desencontrados de terrorismo e solidariedade.
Ele busca um paralelo com os dias atuais, com o “terror em nossas ruas e as brigas nos campos de futebol”, a desorientação da juventude e as fissuras no sistema partidário. O termo anomia foi criado ainda no século 19 pelo francês Émile Durkheim, considerado um dos pais da sociologia moderna, para definir uma sociedade disfuncional, onde normas e regras são desconhecidas pelos cidadãos.

Interessa ao governador compreender o fenômeno, que entende estar ligado diretamente ao longo período em que o Estado esteve abandonado pelo poder público, em especial as favelas e bairros populares, onde se instalou a violência dos traficantes de drogas e agora das milícias.
Criticado por um representante da ONU pela política de enfrentamento praticada pela polícia do estado, o governador Sérgio Cabral não recua um milímetro da estratégia de combate permanente, mas não limita sua atuação a ela.
Tem na ponta do lápis a explicação para a explosão da violência urbana no Rio: qualquer município do Rio, por mais pobre que seja, tem mais escolas e postos de saúde do que as maiores favelas da capital, que muitas vezes reúnem populações várias vezes maiores.
José Mariano Beltrame, o secretário de Segurança Pública responsável pela execução da política, também coloca o estado de direito democrático como uma de suas preocupações, e lembra que em muitos aspectos a política utilizada na Colômbia para combater o narcotráfico não pode ser usada no nosso caso porque pressupõe um estado forte, um estado em guerra, com leis especiais, assim como a utilização das Forças Armadas brasileiras no Haiti obedece a uma legislação especial da ONU.
Mas também ele considera que um choque de ordem na cidade, que teria sido abandonada pela prefeitura, ajudaria a criar um ambiente menos propício à violência.
Está impressionado com o descontrole da violência por parte dos bandidos, impactado ainda pela morte do senhor de 83 anos, fuzilado por ladrões em um arrastão no centro da cidade recentemente.
E também pelo ataque das milícias a uma delegacia em Campo Grande.
A renovação dos quadros da polícia faz parte de seu projeto, com a ampliação do efetivo e a instalação de critérios objetivos para promoções, criando um clima propício à depuração da instituição a médio prazo. O governador garante com indisfarçável orgulho que não há mais indicações políticas para o aparelho de segurança pública, e nem em qualquer outro nível do governo.
A estratégia de espalhar pela cultura da administração estadual critérios de gestão moderna que levem em conta a meritocracia, substituindo paulatinamente a cultura das indicações políticas que se instalou no estado nos últimos anos, é um objetivo de longo prazo que faz com que o governador Sérgio Cabral garanta não ter planos para deixar o governo para se candidatar a outro cargo nas próximas eleições.
Mas, a ligação estreita com o presidente Lula faz parte da estratégia de fortalecer politicamente seu grupo no estado, não apenas para receber as obras e os investimentos federais, mas, sobretudo, para estimular a “expectativa de poder”, que no seu entender é um estímulo muito mais poderoso para o político do que uma prática clientelista instalada no estado e que ele se propõe a eliminar.
Um exemplo claro: recentemente, o governo realizou concurso público para fiscal de renda pela primeira vez em 15 anos, e o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, levou o governador para falar aos novos nomeados, para que eles compreendessem a importância que o governo dava a essa renovação em uma máquina que ficara mais conhecida do público pelo escândalo do fiscal Silveirinha do que propriamente pela sua eficiência.
A tentativa de eleger o prefeito da capital nas próximas eleições também faz parte dessa estratégia, e, por isso, Cabral, depois de muitas idas e vindas, está confirmando como candidato seu escolhido, o secretário de Turismo, Esporte e Lazer, Eduardo Paes, cuja candidatura, no entanto, já recebe críticas por ter sido oficializada de maneira pouco ortodoxa, através de pequenos golpes de velha política, com desincompatibilizações em Diário Oficial com data retroativa.
Nada, porém, que a impeça de ser oficializada.
Mais grave é a insinuação, ainda não explicitada oficialmente, de que o acordo com o PT gorou porque o PMDB de Picciani não aceitou a indicação de Antônio Carlos Biscaia na coordenação do comitê financeiro da campanha. O deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, por exemplo, já havia protocolado denúncia ao Conselho de Ética contra Álvaro Lins, e apresentou como prova um vídeo de um ato da campanha no Clube Municipal, onde o então candidato aparece ao lado de Sérgio Cabral e de Marcelo Itagiba, prometendo a nomeação de concursados em troca de votos.
A cultura clientelista que ainda domina a política do estado, e que até recentemente fazia com que o governador Sérgio Cabral estivesse ligado ao grupo do ex-governador Garotinho, e o mantém ligado ao deputado Jorge Picciani, é um desafio que vai se apresentar já agora, na campanha à prefeitura.
E poderá levar o governador Sérgio Cabral a ter que se definir publicamente com relação à candidatura do protegido de Lula, o bispo Marcelo Crivella, a quem ele repudia informalmente até o momento.
Em busca de seu futuro político, Sérgio Cabral tem que enterrar o passado de práticas clientelistas do estado que governa.

E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br

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