O Globo |
20/6/2008 |
Foi quase comovente ver o ministro Nelson Jobim pedindo desculpas às mães dos três rapazes do Morro da Providência que soldados do Exército entregaram a traficantes do Morro da Mineira para que os castigassem como achassem melhor. Jobim não tinha alternativa - mesmo sabendo que morte de filho mãe nenhuma perdoa. Ele também não ignora que a única forma legítima de o governo pedir perdão seria somar a correção do erro com a punição de quem errou. E isso dificilmente acontecerá, já que a decisão errada de mandar soldados para o morro foi tomada pessoalmente pelo chefe do governo. Desconfio muito que Lula não acredita que perdão foi feito para presidente pedir. Há experiências bem-sucedidas de colaboração das Forças Armadas em áreas específicas do trabalho policial. Por exemplo, ajudam bastante na transmissão de conhecimentos sobre armas, comunicações, logística. Podem patrulhar as imediações de instalações militares. Mas muito pouco além disso. Foi novidade criada no Palácio do Planalto encarregá-las de policiamento ostensivo e permanente numa comunidade dominada pelo tráfico. É estranho que isso tenha acontecido apesar de Lula estar convencido (como garantiu outro dia, depois da tragédia, o próprio ministro da Justiça) que "as Forças Armadas não são aptas para tratar da segurança pública". Além disso, num parecer encampado pela cúpula do Exército em Brasília, o Comando Militar do Leste alertou para os riscos da presença militar no Morro da Providência. Mas o Palácio do Planalto preferiu atender Crivella, e o projeto virou convênio dos ministérios de Cidades e da Defesa. Pelo visto, então, Lula abriu mão de uma convicção pessoal para fazer um agrado ao senador da Igreja Universal. E nem pensou em usar na proteção da favela a Força Nacional de Segurança, formada por PMs. Isso não tornaria legítima a mobilização da Presidência da República para garantir o sucesso do projeto eleitoreiro do senador Marcelo Crivella - mas seria mais inteligente, mais prudente. A iniciativa do bispo licenciado da Igreja Universal e candidato a prefeito do Rio é um cata-votos caro: consiste na reforma de fachadas e telhados de residências, a um custo de quase dois terços do preço de uma casa nova. Parece ser um dos carros-chefe do projeto eleitoral de Crivella, que festejou o início das obras com uma feijoada para 600 eleitores. Paio e lingüiça que não acabavam mais, coisa de candidato com dinheiro de sobra. Jobim pôde apenas pedir perdão às mães dos rapazes assassinados. Não prometeu o que certamente elas esperavam ouvir - que a tropa não voltaria à favela - porque disso o governo só começou a tratar no dia seguinte. Agora, já é certo que a antes desprezada Força Nacional de Segurança substituirá a tropa do Exército no Morro da Providência. São policiais experientes; tanto quanto se sabe, incapazes de vender moradores para bandidos das vizinhanças. De qualquer forma, o governo federal mostra que continua achando indispensável ajudar, a todo risco, o projeto eleitoreiro de Crivella. Curiosamente, mesmo que o senador não seja apoiado pelo PT na disputa pela prefeitura do Rio. No fim das contas, os moradores do Morro da Providência podem, provavelmente, acreditar que a tragédia não se repetirá - mas talvez lhes seja difícil livrar-se da desagradável sensação de que foram e continuam sendo usados e abusados pelos inquilinos do poder no país. |
Entrevista:O Estado inteligente
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