"Bejani é um retrato perfeito daquilo que se poderia definir
como o político brasileiro contemporâneo. Trata-se de um
tipo de administrador que já começa a encarar o Código Penal
nos patamares iniciais da carreira – as prefeituras do interior,
hoje transformadas numa espécie de Febem para a criminalidade
na vida pública. Como o de tantos outros, seu futuro profissional
parece bem delineado. Renunciou ao cargo para livrar-se da
cassação e, agora, só tem a esperar que um juiz o coloque
novamente nas ruas"
O ex-prefeito de Juiz de Fora Carlos Alberto Bejani é mesmo um fenômeno. Em pleno Brasil do ano de 2008, onde tão pouca gente chega a se meter em algum problema mais sério, de verdade, por cometer atos de delinqüência na vida pública, ele conseguiu ser preso duas vezes seguidas, entre abril e junho. Para começar, deixou-se pegar em flagrante, naquele tipo de cena que hoje em dia já se tornou um clássico da nossa política: recebendo pacotes de dinheiro vivo, em valor um pouco acima de 1,1 milhão de reais, numa gravação com imagem e som. Ficou catorze dias na cadeia e foi solto, como acontece sempre: e, como acontece sempre, tudo deveria ir acabando por aí. Neste caso, porém, nem mesmo a incomparável proteção que as leis e a Justiça brasileira oferecem a gente como o ex-prefeito foi suficiente para mantê-lo solto. O documento que ele apresentou para justificar a origem do dinheiro – a já tradicional venda de uma "fazenda", variante da venda de bois, cavalos etc. – foi considerado falso. Diante de sua absoluta falta de cuidado com o que dizia enquanto era gravado, ficou claro que o dinheiro lhe fora entregue em troca da concessão de diversos aumentos no preço das passagens municipais de ônibus. Contra todas as expectativas, o homem teve de voltar ao presídio.
Bejani é um retrato perfeito daquilo que se poderia definir como o político brasileiro contemporâneo. Trata-se de um tipo de administrador que já começa a encarar o Código Penal nos patamares iniciais da carreira – as prefeituras do interior, hoje transformadas numa espécie de Febem para a criminalidade na vida pública. Como o de tantos outros, seu futuro profissional parece bem delineado. Bejani renunciou ao cargo para livrar-se da cassação do mandato e de seus direitos políticos e, agora, só tem a esperar que um juiz qualquer o coloque novamente nas ruas. A partir daí seus advogados nem precisam, no fundo, quebrar muito a cabeça com uma estratégia de defesa – basta confiarem na impunidade, que nunca falha. Daqui para diante, na expressão de um ex-procurador-geral da República, entra-se na fase do agravo de desembargo contra o embargo de desagravo, e a coisa não se resolve antes do Dia do Juízo Final. É nisso, justamente, que está o mais bonito da história: o ex-prefeito de Juiz de Fora pode, perfeitamente, se candidatar a outro cargo público, ser eleito e seguir com sua carreira. O Tribunal Superior Eleitoral, justo numa hora dessas, acabou de confirmar que todo cidadão terá o direito de candidatar-se enquanto não receber uma condenação definitiva, em relação à qual não houver absolutamente mais nenhuma possibilidade de recurso. É um momento que não chega nunca.
O TSE diz que não pode decidir de outra maneira porque a Constituição de 1988 manda que seja assim; se alguém pondera que não faz nenhum nexo aceitar passivamente uma situação em que a lei incentiva e garante o crime, nossos melhores juristas balançam a cabeça e lamentam a falta de preparo dos leigos para entender as questões mais delicadas da ciência jurídica. É bom lembrar, então, que a decisão do TSE foi tomada por quatro votos a três. Os três ministros que discordaram não são os Três Patetas; se eles acham que uma corte de Justiça tem como obrigação fornecer justiça, e não aulas de direito, fica complicado sustentar que está tudo bem com uma situação na qual se ofende diretamente a lógica, a moral comum e o direito do cidadão a ser protegido do crime. As conseqüências práticas disso estão aí. Cerca de 20% de todos os integrantes do Congresso Nacional estão envolvidos em processos criminais; há, neste momento, 281 ações penais contra os 81 senadores e 513 deputados federais. Não existe hoje no Brasil, fora das penitenciárias, outro ambiente onde haja tanta gente enrolada com o Código Penal.
Enquanto uma coisa dessas continuar sendo considerada normal, está na cara que se vai ter cada vez mais do mesmo. Lauro Maia, filho da governadora do Rio Grande do Norte, foi preso por acusações de corrupção com verbas da saúde – essas mesmas que o governo quer aumentar com um novo imposto. O advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente da República, defende dentro do Palácio do Planalto uma causa em que a palavra do governo é decisiva. O governador Cid Gomes, do Ceará, a quem se deve a inesquecível idéia de levar a sogra à Europa, num jato fretado com dinheiro público, acaba de anunciar a doação pelo Erário estadual de 800 000 reais a cada um dos três senadores e 22 deputados federais cearenses, como prêmio por defenderem os interesses do estado em Brasília – e mais 500 000 reais a cada um dos 46 deputados estaduais, por defenderem os interesses do Ceará dentro do próprio Ceará. É verba que sai direto do Tesouro para o bolso dos amigos. Para que complicar?
O presidiário Fernandinho Beira-Mar deve lamentar amargamente, de sua cela na Penitenciária Federal de Campo Grande, a decisão que tomou no passado sobre sua profissão – um bad career move, como diriam os consultores de RH. Se tivesse entrado para a política, hoje estaria com a vida que pediu a Deus.