A radicalização na América do Sul fez o Brasil despertar para a verdade de que, em alguns países, os ianques somos nós |
O PRESIDENTE do Equador anuncia renegociação com a Petrobras e seus auxiliares insinuam que o contrato pode ser anulado. Será fato isolado, explicável pelas circunstâncias? Ou faz parte de padrão que se repete em todos os movimentos radicais no poder na América do Sul?
A tendência irrompeu com estrondo em 1º de maio de 2006, com o anúncio da nacionalização do gás e das refinarias da Petrobras na Bolívia. Desde então, confirmados ou não, os sustos originados no país vizinho nunca se interromperam: expulsão de siderúrgica privada, anulação de contrato com construtora, ameaças a fazendeiros brasileiros, alusões levianas ao passado do Acre, resistência à construção de hidrelétricas no rio Madeira, queixas contra o tratamento a imigrantes bolivianos, multas milionárias à Petrobras por delitos negados pela companhia.
A lista é exemplificativa apenas e não pretende negar que o governo de La Paz possa ter razão em algumas dessas situações. A siderúrgica, por exemplo, transferiu-se para Mato Grosso do Sul, onde estaria devastando a mata nativa para fazer carvão. O crime ambiental era justamente o que censuravam à empresa as autoridades bolivianas, mais zelosas que as nossas do ambiente.
No Paraguai, não só o favorito nas pesquisas eleitorais mas amplos setores da opinião querem subverter as bases de Itaipu, projeto com 30 anos de vida. Curioso é que, no mais radical dos sul-americanos, a Venezuela, tenha-se evitado até agora o choque direto com interesses brasileiros, embora sejam notórias as dificuldades entre a petrolífera local, a PDVSA, e a Petrobras.
O padrão aqui é mais indireto e sub-reptício. À medida que esfria o relacionamento entre Chávez e Lula, tornando raras as visitas e conversas, a ação do venezuelano se faz mais incômoda no entorno sensível do Brasil. Municípios e até quartéis da Bolívia e do Paraguai de repente se vêm aquinhoados por cheques de petrodólares bolivarianos.
Dir-se-á que não há nada de mal, não passando de ajuda desinteressada, busca natural de prestígio e influência. Mas até quartéis paraguaios? Não haveria prioridades mais óbvias ou menos provocativas? A radicalização da política sul-americana fez o Brasil despertar para verdade desagradável: em alguns países, os ianques somos nós. A presença brasileira quase sempre dependeu da ação do Estado, direta (Itaipu, Petrobras) ou indireta (construtoras financiadas pelo BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
No momento em que líderes radicais reescrevem as constituições e redefinem a ordem socioeconômica, o Brasil descobre que faz parte do status quo em contestação. A mudança pode vir em nome das massas excluídas. Nem por isso é menos desconfortável para nós.
O governo brasileiro não é culpado das tendências da história. Salvo por obra de alguns aprendizes de feiticeiro em diplomacia: favoreceram a subida de Chávez e Morales e estimularam novas agressões pela incapacidade de defender os direitos nacionais.
As conseqüências são de duas ordens. De um lado, desapareceram as condições para projetos de integração energética e até os existentes correm perigo. Do outro, região vital, a única de nossa influência direta, virou campo minado. A diplomacia na região não funciona e faz água por todo lado. O Itamaraty conseguirá mudá-la quando ela continua dominada pelos aprendizes de feiticeiro?