ADILSON ABREU DALLARI
A privatização da Vale, além de juridicamente perfeita, foi uma decisão tomada em defesa do patrimônio, moral e econômico, nacional
EM ARTIGO publicado neste espaço no último domingo ("Um atentado contra o patrimônio nacional", dia 2/9), o prof. Fábio Konder Comparato defendeu a anulação da venda do controle da Companhia Vale do Rio Doce sob fundamento de que: a) isso teria violado o art. 157 do Código Civil de 2002 (que autoriza a anulação do contrato quando uma parte tira proveito da inexperiência da outra); b) não era de interesse público; e c) fundou-se em justificativas falsas. Tais argumentos são inservíveis para embasar um pleito judicial.
Preliminarmente, cabe esclarecer que, com a restauração da democracia, ficou totalmente superado o modelo estatizante da ditadura, pois o Estado tinha exaurido sua capacidade de investimento, e a conotação social da Constituição Federal de 1988 exigia uma redefinição das funções públicas, passando o governo a dar maior ênfase à formulação de políticas públicas, a serem implantadas com o concurso de particulares, sob controle governamental.
Convém também esclarecer que a venda da Vale nada tem contra o patrimônio nacional, pois as riquezas minerais exploradas por essa empresa pertencem à União (art. 20, IX, da CF); nunca foram nem podem ser alienadas. A Vale é apenas concessionária e, se houver efetivo e comprovado interesse público nisso, a União poderá rescindir a concessão sem ter que anular aquele leilão.
O problema é que a qualificação de algo como sendo de interesse público depende de lei, e não do entendimento de qualquer autoridade, partido político ou pessoa. No caso, as leis 8.031/90 e 9.491/97, que delinearam o Programa Nacional de Desestatização, consignam entre suas finalidades viabilizar a retomada de investimentos nas empresas transferidas à iniciativa privada, para permitir que o Estado concentre sua atenção onde sua atuação direta for indispensável.
Ao alienar o controle da Vale (em 1997, antes do CC de 2002), a União não foi enganada, mas, sim, se amoldou ao disposto no art. 173 da CF (que reserva a exploração de atividade econômica aos particulares) e cumpriu o que a lei expressamente determinava.
Essa alienação foi feita em leilão público, pela maior oferta, pelo maior preço que, na ocasião, foi possível conseguir. Não faz sentido alegar que os arrematantes se prevaleceram da inexperiência do governo federal, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Se hoje ela vale muito mais, isso se deve a uma conjugação de fatores: fim do sangramento atendido com aportes do Tesouro; ausência de favorecimentos, mordomias e empreguismo; efetiva realização de investimentos em larga escala; eficiência na gestão empresarial; solução de conflitos ambientais e sociais; e aumento considerável no volume e no valor das exportações. Nada disso teria sido possível sem a privatização.
Ainda que parte dos investimentos tenha sido financiada pelo BNDES, isso apenas significa que foram poupados recursos do Tesouro, que puderam ser aplicados na área social.
O BNDES é um banco e, como tal, empresta dinheiro para quem ofereça garantias de solvência. A anulação do contrato não quitaria essa dívida e obrigaria a União (cf. art. 59, parágrafo único da lei 8.666/93) a indenizar os arrematantes pelos outros investimentos efetuados.
Tal panorama comprova não terem sido falsas as justificativas da alienação. A Vale privatizada deixou de agravar o endividamento público e, ao contrário, contribuiu significativamente (ao lado do agronegócio e do aço) para o incremento da balança de pagamentos, possibilitando que o país tenha hoje uma confortável reserva em dólares.
Tão seguro está o atual governo quanto ao sucesso do programa de privatizações que, depois de obter a aprovação da lei de parcerias público-privadas, no presente momento, ultima providências para a realização de licitações referentes às concessões de duas usinas hidroelétricas, das redes de transmissão, de quase 3.000 km de rodovias, da ferrovia Norte-Sul, de novas áreas de prospecção de petróleo etc.
Pelo menos, é possível afirmar que a Vale privatizada não contribuiu para engrossar o imenso caudal de mensaleiros, traidores e aloprados. Pelo porte da Vale e por sua atuação em escala internacional, não tivesse sido ela privatizada, provavelmente seriam 80 os réus da ação em curso no Supremo Tribunal Federal.
Em conclusão, pode-se dizer, com segurança, à luz dos fatos supervenientes, que a privatização da Vale, além de ter sido juridicamente perfeita, foi uma decisão tomada e executada em defesa do patrimônio, moral e econômico, nacional.
ADILSON ABREU DALLARI, 65, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é consultor jurídico em questões de direito público e membro do Conselho Jurídico da Fiesp. É autor, entre outras obras, de "O Financiamento de Obras e de Serviços Públicos".