Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 04, 2007

VINICIUS TORRES FREIRE Uma visão cética do tumulto




Se continuar, pânico nas finanças afetaria "economia real", ao contrário das crises dos 90, avalia economista

"QUANDO SE leva a história em consideração, não há como não ficar muito apreensivo com a atual falta de consciência e de preocupação com o risco", dizia Alan Greenspan na segunda-feira que precedeu a "síndrome da China". Na terça, o mundo do dinheiro acordou para o risco, talvez de maneira irracional e exagerada, mas nem por isso menos perigosa.
"Não acho que a Bolsa chinesa tenha gerado a turbulência. Nem que houve mudança nos fundamentos da economia mundial. Houve mudança de humor, sem causa precisa. O mundo navegava um mar tranqüilo demais, sem grandes riscos aparentes, em que diminuía gradativamente a volatilidade dos preços na maioria dos mercados de ativos", avalia Joel Bogdanski, consultor de análise econômica do Itaú.
A temeridade dos mercados provocou a montagem de "enormes posições de "carry trade" [tomar empréstimo a juro baixo e em moeda mais estável para aplicar em ativos de risco], levando a alavancagem de diversos agentes à beira dos limites da sanidade financeira".
"De repente, o humor vira por qualquer motivo. Pode ser o aumento do juro no Japão, problemas nas companhias de "subprime mortgage" [empresas de crédito imobiliário para clientes de risco nos EUA], a contabilidade ruim das grandes empresas de mortgage [de títulos imobiliários] Fannie Mae e Freddie Mac, a possível desaceleração mais forte dos EUA. Qualquer coisa vale, mas nenhuma realmente importa."
Mais importante, diz o economista, foi a variação dos preços de ativos financeiros, o que fez com que os índices técnicos de exposição a risco explodissem. A maior exposição a risco induz investidores a modificarem suas aplicações (vendendo e comprando ativos), o que leva a nova rodada de volatilidade (variação excessiva de preços), mais exposição a risco e novas alterações nos investimentos -e assim por diante.
"Já vimos esse filme em maio de 2006. Para cobrir perdas em mercados pouco líqüidos, zeram-se posições em mercados líquidos, o que provoca desastres em todos os lados. Pode até parecer irracional e estúpido, mas é assim mesmo que acontece", diz Bogdanski. "Nos momentos de pânico, "quem sair antes perde menos" é o lema que prevalece."
A especulação saiu do controle, dado o excesso de liqüidez e de confiança nos mercados?
Bogdanski acha que não há informações confiáveis para avaliar se há bolha nas operações de "hedge funds" e de "private equity". Mas considera que "o "carry trade" está tão entronizado nos mercados que a reversão dessas operações poderá levar muito tempo. Demorou anos para montar; não dá para desmontar em dias. Pode levar muitas semanas. Como também é possível que o pânico cesse muito antes".
O que mudou em relação às crises de 1997 a 2001? "Agora há turbulência em meio à calmaria de fundamentos. Em 1997, o Sudeste Asiático, que tinha "investment grade", quebrou, gerando crise. Em 2000 furou a bolha das pontocom, gerando crise. Em 2001, a economia americana afundou, gerando crise. A alteração dos fundamentos levava a turbulências. Hoje, é o contrário: as turbulências é que podem resultar na alteração dos fundamentos".

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