Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 24, 2007

VEJA Entrevista: Francisco Costa


Estilo pão de queijo

A fórmula do sucesso do brasileiro da Calvin Klein
é simples: trabalhar como um louco e estar ligado
em tudo – mas sempre de jeans e camiseta


Silvia Rogar

Oscar Cabral

"Detesto preguiça, gente que não gosta de pensar. Fico instigando quem trabalha comigo o tempo todo, e algumas pessoas já saíram da equipe"

Estilistas brasileiros costumam alardear suas incursões no exterior como o impulso inicial para um fulgurante vôo internacional, mas muito poucos efetivamente conseguem decolar. Mineiro de Guarani, Francisco Costa, 41 anos, nem entrou na ponte aérea: fez carreira em Nova York e chegou ao comando da linha mais sofisticada de roupas da grife Calvin Klein. Com uma visão cristalina sobre o que quer fazer como estilista, integra hoje a elite da indústria da moda – aquela que delineia novas tendências a cada mudança de estação, veste celebridades no tapete vermelho e faz algumas das roupas mais caras e cobiçadas do planeta. O reconhecimento maior veio no ano passado, quando recebeu o prêmio de melhor estilista do segmento feminino do Council of Fashion Designers of America (CFDA). Costa é pouco conhecido no Brasil, onde nunca assinou uma coleção. Vive há 22 anos no exterior. Com conhecimento de causa, diz que, ao contrário das aparências, há pouco glamour no mundo da moda. "Se você está ali para competir, tem de saber que se trabalha 24 horas", avisa. Na semana passada, tímido, mas com plena segurança sobre seu métier, falou a VEJA.

Veja – Um brasileiro que começa do nada e chega ao topo do mundo da moda em Nova York causa estranheza? Alguma vez você foi esnobado, tratado como um cucaracha?
Costa – Com certeza aconteceram alguns episódios do gênero, mas não dou importância a ponto de lembrar de cada um. Se você ficar inseguro por ser latino, vai ser afetado pela idéia. E pode acabar perdendo o foco do trabalho. Quando comecei a trabalhar com o Calvin, sabia que a companhia iria passar por mudanças. Mas não tinha idéia de que, em pouco tempo, eu iria substituí-lo. Quando a notícia foi divulgada, todas as pessoas que faziam parte da minha equipe saíram. Nesse caso, até acredito que algumas não tenham gostado da idéia de ter como chefe um brasileiro recém-chegado à companhia. Mas eu vi isso como a melhor coisa que poderia acontecer naquele momento. Em vez de ficar louco, encarei aquilo como uma vida nova para fazer o meu trabalho.

Veja – Quem não conhece imagina a indústria da moda como um ambiente cheio de gente sonhadora e delicada. Como enfrentou a extrema competitividade que está por trás dessa imagem romântica?
Costa – A competição é uma faca de dois gumes. Ela é fundamental para a moda se desenvolver. Mas também cria uma tensão que pode ser negativa. Eu preferi focar na criação, construí a minha história sem olhar muito para os lados ou dar muita bola para os egos. É isso que segura você na moda, que, realmente, é um ramo traiçoeiro e, muitas vezes, chato. O segredo é levar o trabalho a sério e, ao mesmo tempo, não se levar a sério demais. É cafona encarnar o personagem do estilista, que se veste como tal. Eu sempre vivi de jeans e camiseta. Isso é uma viagem de cada um. Assumi a minha personalidade pão de queijo.

Veja – Não é impossível ficar fora do clima de O Diabo Veste Prada?
Costa – Sou muito exigente. Detesto preguiça, gente que não gosta de pensar. Fico instigando quem trabalha comigo o tempo todo, e algumas pessoas já saíram da minha equipe. Disseram que não agüentavam mais a pressão. Mas moda é isso. Se você está ali para competir, tem de saber que trabalha 24 horas. Não é uma área light. É pesadíssima, com pressão de todos os lados. É um martírio. Você se expõe em lojas e revistas, seu trabalho está sempre em evolução e à disposição do mercado. Mesmo quando não está trabalhando, precisa estar ligado em tudo para buscar inspiração. Sou muito intenso no trabalho, deixo todo mundo louco.

Veja – Não há um certo exagero nisso?
Costa – Adoro o que eu faço. Mas não me preocupo muito com o que as outras pessoas fazem. Não sou de ler revista de moda, por exemplo, coisa que eu deveria me esforçar para fazer. Acho mais divertido ler livros, revistas de arquitetura e de decoração. Detesto falar de moda, prefiro diversificar.

Veja – Como personalidade da indústria da moda, sua vida pessoal também conta na sua imagem pública?
Costa – Tenho uma relação que já dura dezesseis anos com um americano de Nova Jersey. Ele é treinador de cavalos. A gente se completa, porque trabalha em áreas muito diferentes. Mas ele é superligado em moda. E, de certa maneira, me ajudou a entrar para a Calvin Klein. Antes de sair da Gucci, fiz uma entrevista de trabalho com o Calvin, mas achei que não era hora de mudar. Um ano depois, fui convidado para trabalhar na Balmain e aceitei. Só que, depois, fui checar toda a estrutura da empresa e mudei de idéia. Decidi voltar para Nova York. Meu companheiro conhece Barry Schwartz, que era sócio do Calvin, e falou a meu respeito. O cargo ainda estava vago e fui imediatamente chamado.

Veja – No fim dos anos 80 e ao longo dos 90, aconteceu a consagração do estilista celebridade, caso de Gianni Versace e de Tom Ford, que reergueu a Gucci. Ainda é possível, hoje, ter um modo de viver menos espalhafatoso?
Costa –
Hoje, existem duas opções para ter sucesso como estilista. Se você é um grande marqueteiro, pode seguir esse caminho na moda. Mas, se esse não é o seu perfil, pode investir no design, na modelagem, saber como cortar bem uma roupa – e é isso o que mais me atrai. Esse papel é novo em grifes como a Calvin Klein, que sempre foram mais ligadas ao produto, ao marketing. Mas, atualmente, existe muita competição e as marcas precisam também de uma linha mais sofisticada para conquistar mercado.

Veja – É uma tarefa difícil substituir um ícone americano como Calvin Klein. Qual deve ser a sua marca pessoal na grife?
Costa – Em seus 35 anos de carreira, Calvin optou pelo minimalismo. Entrar ali e fazer o mesmo que ele fez seria medíocre. Finalmente, depois de quatro anos, acho que cheguei à nova essência, a um balanço, na coleção apresentada em fevereiro passado. É um minimalismo atual, mais sexy, mais feminino, um pouco mais decorativo para driblar a competição. Hoje, você tem de oferecer mais: ninguém quer um blazer de três botões simplesmente por ser um blazer de três botões. Isso ele encontra hoje nas linhas mais populares. Tenho de oferecer algo diferente.

Veja – O que as pessoas querem hoje?
Costa – Elas não sabem o que querem. Hoje, existe muita oferta e ficou mais difícil para a mulher identificar o que é estilo, bom gosto. Você entra numa loja e tem muitas opções. Isso deixa o consumidor confuso.

Veja – A linha que traz sua assinatura chega ao Brasil em maio. Existem produtos específicos para as brasileiras?
Costa – Ainda não, mas essa é uma das metas que tenho pela frente: criar produtos não só para o Brasil, mas para outros mercados importantes atualmente, como a China.

Veja – Vestir celebridades é uma atividade essencial na moda de hoje. Como é participar da guerra entre grifes para dominar o tapete vermelho?
Costa – Para ser honesto, acho essa parte da moda um saco. A briga entre os figurinistas das atrizes e os estilistas das grifes é tamanha que a relação perdeu o respeito. Dois anos atrás, quando Hilary Swank concorreu a vários prêmios com Menina de Ouro, fiz o vestido dela para a entrega do Globo de Ouro. Depois, pediram que eu também criasse o que ela usaria no Oscar. Não só fiz o modelo como encomendei um cinto de diamantes no valor de 3 milhões de dólares que era um escândalo. Fiz umas oito provas do vestido com a Hilary. Mas, no dia, para nossa surpresa, ela apareceu no Oscar com um modelo de outra grife. Foi um desastre. Não vejo glamour nessa história. É uma guerra da qual todos somos obrigados a participar, mas esse mundo da moda voltada para as celebridades não é chique, ficou muito vulgar. Para piorar, hoje muitas delas têm as próprias linhas de roupa. Acho um absurdo ver o Puff Daddy (cantor de rap que é dono da marca Sean John) receber o prêmio de melhor estilista do ano. Isso é uma desmoralização.

Veja – Você olha muito para o que se usa nas ruas?
Costa – Claro. Para um gay, acho que olho até demais para as mulheres.

Veja – Você já foi eleito, no ano passado, o melhor estilista de moda feminina pelo CFDA (Council of Fashion Designers of America), o maior prêmio do setor nos Estados Unidos. O que mais falta na sua carreira?
Costa – Isso é só o início, tenho ainda muitos planos. Quero desenvolver muitas áreas: acessórios, marketing, aumentar o volume de vendas das minhas coleções. Pode ser na Calvin Klein ou, quem sabe, em alguma outra marca. Também quero ter mais independência financeira. Para quem está de fora até parece, mas ainda não ganhei muito dinheiro, não fiquei rico. Ser premiado pelo CFDA foi fantástico para deixar evidente o apoio que eu tenho em Nova York. Foi importante para dar firmeza e segurança para fazer algo maior ainda. Só que as críticas das editoras de moda aos meus desfiles ficaram mais duras depois que eu recebi o prêmio.

Veja – E você se importa com elas?
Costa – As críticas aos meus desfiles costumam ser extremadas: ou são maravilhosas ou acabam comigo. Acho isso ótimo, pois detesto meio-termo. Não ligo mais para os comentários negativos, aprendi que não dá para encará-los como pessoais. Há algumas jornalistas de moda que eu respeito, como Cathy Horyn, do The New York Times. Às vezes é difícil aceitar a crítica, mas consigo entender a opinião dela. Mas há pessoas que escrevem simplesmente para detonar.

Veja – O que é chique hoje? Você concorda com os estilistas que falam que é possível usar tudo hoje em dia?
Costa – Não dá para ser chique usando tudo o que se quer. É claro que hoje existem muitas opções na moda. Mas ser chique é conhecer o próprio corpo, entender de proporção. Se você tem pernas bonitas, pode ter como assinatura uma saia num determinado comprimento que as mostre. E também acho que ser chique é ser clássico, não é seguir todas as tendências que aparecem. Isso é coisa para um mercado mais popular. O estilista tem a função de instigar, de agir como antena do dia-a-dia, do mundo em que vivemos hoje. Mas a mulher não pode ir atrás de todas as novidades.

Veja – Quem é exemplo de elegância para você?
Costa – Carine Roitfeld, editora-chefe da Vogue francesa. Ela é muito sexy, se conhece bem e seu estilo não dá espaço para um minuto de tédio sequer. Carine mistura peças extremamente clássicas com outras mais modernas.

Veja – Existem mulheres chiques e outras nem tanto usando Calvin Klein. É duro ver isso?
Costa – É uma situação péssima, mas inevitável. Às vezes vejo mulheres usando as minhas roupas de forma totalmente errada. Já esbarrei com uma que estava com as costas do vestido para a frente. Mas, como sou muito cara-de-pau, sempre abordo a pessoa. Faço um comentário do tipo: "Sabia que esse vestido fica lindo de outro jeito? Experimente".

Veja – E as brasileiras? Qual é o grande pecado que cometem no vestir?
Costa – Sabe o que eu detesto? Barriga de fora. Digo para as minhas sobrinhas: que barrigada de fora é essa o tempo inteiro? Acho péssimo. Também acho que a brasileira está complicando muito, usando jeans com muitos detalhes, por exemplo. Seria bom voltar à simplicidade. A brasileira acerta mais quando está natural. A gente já tem fama de ser muito sensual. Se usar muita coisa, vulgariza. Entendo que a exuberância brasileira vem das formas da natureza. Mas cresci cercado pela simplicidade. A arquitetura dos sobrados mineiros, por exemplo, é de linhas minimalistas. Minha irmã se vestia muito de branco, com roupas feitas de algodão. Existe essa simplicidade quase monástica na essência do trabalho do Calvin, que é muito parecida com as imagens da minha infância e da minha adolescência.

Veja – Hoje, o que os grandes estilistas mostram nas passarelas é imediatamente copiado por redes de fast-fashion, como Zara e H&M. Como você se sente ao ver as versões populares de suas criações?
Costa – Financeiramente, é meio destrutivo, apesar de o público dos dois mercados não ser exatamente o mesmo. Mas, no fundo, fico lisonjeado. Essas lojas são craques, têm uma boa visão do mercado, do que vai cair na boca do povo.

Veja – Você foi responsável por tantas vindas de Calvin Klein ao Brasil e pela paixão dele pelo país?
Costa – Não, ele sempre adorou o Brasil. Agora está mais à vontade, tem mais tempo e pode vir mais. Atualmente, eu venho pouco para cá, gostaria de visitar mais o meu país.

Veja – Por que você nunca trabalhou com moda no Brasil?
Costa – A minha carreira foi toda construída fora do Brasil, não conheço muito o que é feito aqui. Conheço o trabalho do Carlos Miele e do Alexandre Herchcovitch, que também desfilam em Nova York. A moda brasileira é muito divulgada no exterior, mas ainda não explodiu economicamente. Acho que as grifes podem encontrar dificuldades porque os compradores das lojas americanas são muito rigorosos. O padrão de entrega das roupas também tem de ser rigoroso para a relação ser mantida de uma estação para outra. Só assim é que dá para conquistar mercado. Se essa parte não for consistente, não há criatividade que sustente um negócio.

Veja – Você está fazendo agora o vestido de casamento da cantora Wanessa Camargo. Foi diferente lidar com uma celebridade brasileira?
Costa – Eu não conhecia Wanessa. Ela é uma graça, tem um corpo lindo e é muito simples. Eu não sabia que estava lidando com uma grande celebridade.

Veja – Ela é famosa, sim.
Costa – Muito mesmo?

Veja – É filha do Zezé di Camargo, tem uma estirpe familiar parecida com a de Sandy e Junior.
Costa – Também não conheço...

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