De Ugo Braga no Correio Braziliense, hoje:
"No fim da sessão de ontem, sem muito alarde, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória número 354, editada em 22 de janeiro, aprovando a remessa de R$ 20 milhões arrecadados do contribuinte brasileiro para fazer reforma agrária na Bolívia. Na justificativa da medida, assinada pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, lê-se que seu propósito é "prestar assistência na implantação da política fundiária de reforma agrária do governo boliviano (…)".
O dinheiro a ser enviado ao país vizinho é semelhante ao orçado para todo este ano no programa "Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-árido", voltado para o Nordeste, e é quatro vezes maior que todo o orçamento do programa Paz no Campo, destinado a financiar o treinamento de mediadores de conflitos no campo ou na criação de ouvidorias agrárias pelo país. Ambos são realizados no território brasileiro e estão rubricados na conta do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Por ter menos de 45 dias de editada, a MP ainda não tinha trancado a pauta da Câmara. Passara pela Comissão de Orçamento e havia sido mandada ao plenário. O presidente da casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), a pôs junto às outras que estavam entulhadas na fila de votação. Há indícios de que o texto da medida provisória foi feito com especial cuidado para não deixar claro o verdadeiro destino do dinheiro.
No caput, lê-se apenas o seguinte: "Abre crédito extraordinário em favor do Ministério das Relações Exteriores, no valor de R$ 20.000.000,00, para os fins que especifica". O artigo 1º diz que "fica aberto o crédito" para atender à programação constante do anexo desta MP. O artigo 2º identifica a fonte dos recursos — "(…) correrá à conta de recursos ordinários do Tesouro Nacional" — e o terceiro informa que a lei entra em vigor na data da publicação.
O anexo a que se refere o artigo 1º traz a descrição genérica de que o crédito extraordinário será usado na "relação do Brasil com estados estrangeiros" e nas "relações-negociações com os países-membros do Mercosul". Apenas na exposição de motivos, aparece o real propósito do governo. Para atender os pressupostos constitucionais de relevância e urgência requeridos para a edição de uma MP, o ministro do Planejamento escreveu que ela justifica-se "pelo grande potencial de tensões que se criaram na fronteira, com o desalojamento intempestivo de centenas de famílias brasileiras e a falta de alternativas viáveis para sua recuperação socioeconômica no Brasil".