O GLOBO
Por que Antonio Ermírio de Moraes é rico e seus empregados são pobres? Ora, por causa da exploração capitalista que ele exerce sobre a mãodeobra. Por isso é necessária uma legislação trabalhista que proteja os empregados e obrigue o capitalista a gastar parte de seus lucros (ou da mais-valia) com os direitos trabalhistas.
A exploração continua, mas amenizada.
Assim foi dito e explicado em aulas na Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo, conforme o relato de um estudante que me enviou e-mail a propósito da coluna da semana passada, “Há vagas, só para PJ”.
Aliás, a quantidade e o teor dos e-mails obrigam à retomada do tema.
Começando pelos empregados de Antonio Ermírio. Com certeza, são formais, a ampla maioria com carteira assinada, mas deve haver muitos contratados via PJ no sistema de prestação de serviços. Na escala social brasileira, certamente não são pobres. Na verdade, a maioria deve estar na classe média.
Seriam todos igualmente explorados pelo capital? Pela teoria exposta naquela aula da Faculdade de Direito da USP, a resposta é um inequívoco sim. Como o leitor e a leitora já terão percebido, trata-se da velha idéia marxista, pela qual a classe operária está condenada à opressão e à pobreza até que faça a revolução e institua sua ditadura do proletariado.
A história real se passou de forma diferente nos dois campos. Nos países que permaneceram capitalistas, a classe operária cresceu, melhorou de vida e conquistou direitos, com lutas sindicais, que foram acomodados pelo sistema. Além disso, o sistema gerou uma classe média, freqüentemente próspera, que se tornou dominante. A sociedade e as pessoas ficaram mais ricas, não mais pobres, e mais livres, não mais escravizadas. A idéia é participar do lucro, não eliminá-lo.
Nos países que caíram no socialismo e na ditadura do proletariado, os trabalhadores continuaram assalariados e o regime revelouse incapaz de gerar riqueza e prosperidade. E muito menos liberdade.
Tudo considerado, como é que ainda se levanta, numa faculdade considerada de ponta, essa teoria para sustentar a legislação trabalhista? É verdade que isso aqui é uma democracia e todas as idéias podem ser apresentadas. Mas como se pode ignorar uma história até recente? E entretanto, diria aquele professor, Antonio Ermírio de Moraes continua sendo mais rico que seus empregados.
Verdade.
E daí? No regime de livre iniciativa, um fator determinante é justamente o espírito empreendedor, o “espírito animal” do empreendedor que vislumbra o negócio e mobiliza os fatores de produção, capital, trabalho, terra, para realizá-lo. O sistema só funciona se o empreendedor tiver a garantia de que se apropriará do valor que conseguir gerar. Seus empregados receberão vencimentos (salários, honorários, participação nos lucros) conforme a situação do mercado e conforme suas capacidades. Não é verdade que uns ganham mais que outros? Agora, individualizando a história, é claro que Antonio Ermírio de Moraes teve mais oportunidades que outros. Nasceu em família rica, estudou nas melhores escolas, ampliou o capital herdado. Tem mérito nisso, pois significa que gerou valor e empregos. Tem muito rico que só destrói a riqueza recebida.
Mas se há aí uma injustiça social, o fato de uns nascerem mais ricos que outros, a forma de repará-la, já aplicada nos países capitalistas bem-sucedidos, consiste em oferecer oportunidades ao maior número de pessoas.
Por exemplo: escola de boa qualidade que saia de graça para as famílias. Pode ser uma escola pública ou bolsa do governo para a pessoa pagar uma escola particular.
Outro exemplo prático, de hoje: é claro que o jovem que tem em casa computador com internet banda larga leva vantagem sobre o que não tem. Qualquer um percebe que a saída não é limitar o uso do computador do rico, mas o governo entregar computadores a todos os alunos da escola pública. Ou aplicar políticas que joguem no chão o preço de computadores.
Tudo isso para dizer que não se pode tratar a legislação trabalhista pelo lado da ideologia, explícita ou não.
Já ouço os comentários: estão vendo? Quer tratar só do ponto de vista do mercado e do capital, esquecendo-se que são pessoas humanas.
Bobagem. Primeiro, é preciso, sim, tratar pelo lado do mercado. Soluções que não cabem no mercado, simplesmente não vingam.
A prova é o Brasil: tem a melhor e mais ampla legislação trabalhista, que deixa metade dos trabalhadores na informalidade, totalmente desprotegidos, e ainda gera dois milhões de processos por ano na Justiça do Trabalho.
Por isso mesmo que se deve tratar da legislação trabalhista do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores. Mas de todos, não apenas daqueles que conseguem emprego com carteira assinada em empresas como as de Antonio Ermírio.
Entrevista:O Estado inteligente
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