O Brasil deveria liderar um grupo de países em favor de incentivos à preservação da floresta e ao reflorestamento |
NA TRAGÉDIA da mudança do clima, o Brasil alterna o papel de vilão com o de vítima, mas pode, se quiser, tornar-se esperança de solução, para bem do planeta e de si próprio.
Na Conferência de Estocolmo (1972), a posição brasileira foi defensiva. Como a principal causa da acumulação de gases é o uso intensivo de combustíveis fósseis, os culpados eram os ricos, beneficiários da Revolução Industrial.
Foi preciso lembrar essa verdade e ela ajudou a fazer aceitar a fórmula de "responsabilidade diferenciada". O conceito era justo, mas foi interpretado como licença para queimar e destruir pelos que, na época, diziam que "a pata do boi iria conquistar a Amazônia".
Ao tolerar a devastação de sua própria biodiversidade e riqueza florestal, o Brasil passou também a ser visto como ameaça ao mundo todo. Sarney reagiu com inteligência e nomeou para o Ibama Fernando Cesar Mesquita, que montou repressão fulminante e espetacular às queimadas.
Pela primeira vez, demonstrava-se que os poderes da Presidência em matéria ambiental (ou de direitos humanos) são consideráveis, se houver vontade política para utilizá-los no mais alto nível. Pena que depois se tenha voltado à rotina.
Outro gesto esclarecido de Sarney foi tomar a iniciativa de oferecer o país como sede da conferência que se preparava em seqüência a Estocolmo. Em lugar de ter medo, o presidente foi pró-ativo e percebeu que a reunião deveria ser convertida em alavanca e catalisador de mudança interna.
Graças sobretudo a Collor e a Celso Lafer, a Conferência do Rio de Janeiro (1992) foi a "finest hour", o melhor momento da atuação brasileira nesse campo. De vez em quando, não é mau um presidente não-consensual, fora do bom-mocismo nacional, que não se importe em fazer um governo "áspero", como queria Jânio.
Quantos outros presidentes teriam sido capazes de fixar a reserva dos ianomâmis ou cimentar em público o poço de testes nucleares da serra do Cachimbo? Lafer, por sua vez, teve a grandeza de convocar tudo o que o Brasil tinha de melhor em talento diplomático e científico para assegurar o extraordinário êxito da conferência.
Os ambientalistas, no governo ou fora dele, continuaram a luta em posição de inferioridade, sem contarem com os meios materiais dos destruidores nem com o engajamento pessoal dos presidentes, indiferentes ao tema, na melhor das hipóteses.
No terreno diplomático, pesa-me dizê-lo, recaiu-se na "síndrome de Estocolmo": o problema é grave, pode acabar com a Terra, mas, não sendo os responsáveis históricos, não temos nada com isso. Aos ricos é que compete cumprir metas obrigatórias de emissão. Nós, assim como os bilhões de chineses e indianos, isto é, nós e as torcidas somadas do Flamengo e do Corinthians, só faremos o que nos der na gana. É uma caricatura, mas não está longe da verdade.
O problema é que não dá mais para alegar inocência. Discute-se qual é o grau exato de responsabilidade das queimadas na Amazônia na emissão de dióxido de carbono. Em termos globais, não há dúvida de que a responsabilidade brasileira é significativa e que é a primeira no efeito direto das queimadas.
De todo modo, o Brasil será uma das principais vítimas do aquecimento de 3C a 5C na Amazônia e de 2C a 4C no Nordeste: savanização ou destruição da floresta, desertificação da caatinga, perda de espécies, mudanças nas chuvas no centro-sul, com impacto na competitividade agrícola, inundação de áreas baixas no Pará, no Nordeste, no resto da costa.
O lucro de incluir o desmatamento como peça central do futuro protocolo iria muito mais para o Brasil do que para o mundo. Quem, de fato, ganharia tanto quanto nós se, ao protegermos a imensa riqueza amazônica de acordo com nosso próprio interesse, ainda por cima fôssemos pagos sob a forma de créditos de carbono?
O país deveria, por isso, liderar um grupo dos 20 ou dos 30 em favor de incentivos econômicos à preservação da floresta e ao reflorestamento maciço. Além do mais, seria melhor pagar os assentamentos rurais para replantar matas ciliares e de nascentes do que alimentá-los com cesta básica, como se faz hoje.
O Brasil agora sabe. Ou ele faz a hora ou espera (o pior) acontecer.