Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 22, 2007

Os números e a vida Por Reinaldo Azevedo

Os números e a vida
Os novos critérios do IBGE para avaliar o PIB, afirmam os técnicos, são agora mais precisos do que antes. E também mais amplos: são 56 atividades econômicas e 110 produtos, contra, respectivamente, 43 e 80. O setor de serviços, que ganhou mais peso no novo cálculo, foi melhor no governo Lula no que no governo FHC: tinha peso de 54,1% e passou para 64%. A indústria, que tinha peso de 37,9%, caiu para 30,3%, e a agricultura passou de 8% para 5,6%. Com a estabilidade da inflação e mais crédito, também aumentou a fatia do consumo, mas isso fez cair a poupança.

O governo tem motivos para comemorar, como afirmei em posts abaixo, mas também para se preocupar. Caiu a relação dívida/PIB? Sim: de 51,5% para 46,4% em 2005 e de 50% para 45,7% em 2006 (ainda com o número sem revisão; deve ser menor essa relação). A carga tributária também aparece menor: de 37,4% do PIB para 33,7% em 2005 e de 38% para 34,5% no ano passado (antes dos novos dados). Mas, com os novos números, o superávit primário de 2005 foi de 4,35% do PIB (e não 4,83%). Em 2006, mesmo sem o número revisado, ele ficou abaixo da meta: caiu de 4,32% para 3,95%.

E aí há um probleminha — ou problemão: se o governo insistir em manter aqueles mesmo 4,25% de superávit, com o PIB em novos parâmetros, isso pode significar uma economia extra que se estima entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões. Como revisão de PIB não põe dinheiro em caixa, há quem considere essa meta inalcançável sem que se passe severamente a tesoura nos gastos. Com os novos números, os investimentos caem. Em 2005, pela metodologia antiga, estavam em 20,6% do PIB e passaram a 16,3%. Qual a conclusão que se tira daí? Se a economia cresceu mesmo com investimento baixo — fala-se que essa taxa para um crescimento sustentado tem de ser de 25% —, então é porque houve aumento de produtividade acima do previsto. Mas também se pode deduzir que talvez aquela marca de 25% seja um exagero.

O governo comemora, claro, mas evita fazer previsões porque aguarda os números revisados de 2006, que serão publicados no dia 28. Afinal, como se sabe, os saltos dados no PIB no governo Lula não foram nada modestos em termos relativos. Republico-os abaixo:
2003 – de 0,5% para 1,1%
2004 – de 4,9% para 5,7%
2005 – de 2,3% para 2,9%
2006 – de 2,9% para n/d
Vejam só: o índice mais do que dobrou em 2003; teve um salto de 16,32% em 2004 e de 26% em 2005. Se, por exemplo, repetir-se a proporção do ano retrasado, o PIB de 2006 pode chegar perto de 3,7%.

Mais confiáveis
Os critérios parecem ser mais amplos e dar conta da realidade com mais eficiência do que os anteriores. E isso é bom. Duvido que o governo esteja dando um truque no que se refere aos dados em curso. Até porque esse tipo de procedimento, em economias de mercado, não prosperam. Há organismos internacionais para avaliar se há maquiagem de números. De resto, se eles são melhores do que pareciam, o desempenho do país ainda é pífio mesmo assim. Na América Latina, em 2005, empatamos em crescimento com o Paraguai e só superamos Haiti e El Salvador.

A questão é saber como é que se vai lidar com isso politicamente; o risco é a tentação inaugural de sempre. Algumas zonas de sombra permanecem em meio a isso tudo. Por mais que se possa argumentar que setores que tiveram especial avanço no governo Lula passaram a ter mais peso no novo cálculo (o que explicaria os números modestos do governo FHC), continua a ser estranho que régua que provoca medição tão distinta varie pouco ou quase nada quando se trata de avaliar o governo anterior. A questão está menos em saber se esse critério de agora é melhor — os especialistas dizem que sim — do que se foi eficientemente aplicado quando isso não era do particular interesse do governo de turno.

Também há certa confusão, a requerer explicações mais robustas do instituto, quanto aos números anteriores a 2000. Embora o próprio IBGE diga que as revisões consistentes contam a partir desse ano, as “releituras” dos anos anteriores estão em toda parte. E todas, por que não dizer?, muito severas com o governo tucano. As exceções são os anos de 1998 (variação irrelevante) e 2002, conforme se vê abaixo:

Primeiro Governo FHC
1995 - 4,2% - não houve revisão
1996 de 2,7% para 2,2%
1998 de 3,3% para 3,4%
1998 de 0,1% para zero
Média pelo índice antigo: 2,58%
Média pelo novo índice: 2,3%¨

Segundo governo FHC
1999 – de 0,8% para 0,3%
2000 – de 4,4% para 4,3%
2001 – de 1,3% para 1,3%
2002 – de 1,9% para 2,7%
Média pelo índice antigo – 2,1%
Média pelo novo índice – 2,15
Média dos dois mandatos de FHC – índice antigo: 2,34%
Média dos dois mandatos de FHC – índice novo: 2,3%

Ou os números a partir de 1995 valem ou não valem. Ficou uma coisa um tanto estranha. O fato é que o site do IBGE começa a sua revisão em 2000, mas todos os veículos de comunicação publicaram os cálculos refeitos a partir de 1995. E, como sabemos, essa nova régua não gosta de FHC. Ninguém vai se ocupar, é claro, de ficar revendo o passado. Do ponto de vista prático e para o futuro do país, importa que os critérios sejam mais precisos e mais eficientes.

Lula também pode se preparar para enfrentar algumas outras demandas. Os gastos do governo com Saúde em 2005, antes da revisão, eram de 1,92% do PIB; agora, caíram para 1,73%; no ano passado, considerando o número ainda não revisado, caíram de 1,98% para 1,77% (e podem diminuir). O mesmo acontece com a educação: tinha-se 4,3% do PIB; o número teria caído para 3,8%. Será pressionado a dar mais dinheiro para os dois setores.

O que importa
Dados estatísticos, o termômetro, não mudam a realidade da economia, a sua produção física. Se começarem a contar o seu aniversário de dois em dois anos, nem por isso as suas células estarão mais jovens. A idade é um critério público que serve para organizar a experiência. Trata-se de um indicador. Assim, os novos números do IBGE não geram riqueza que não existe, não criam postos de trabalho, não produzem renda ou ganho de produtividade. Podem servir para que o país se conheça melhor e planeje seu futuro com mais eficiência. Mas podem também ser instrumentos de propaganda e oba-oba. Guido Mantega, conforme já afirmei em post abaixo, caiu em algumas tentações nesta quarta. Que seja mais comedido.


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