Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 06, 2007

Os essenciais- Luiz Garcia


Artigo
O Globo
6/3/2007

Funcionários públicos brasileiros têm e não têm direito a entrar em greve.
Têm, porque assim determina o inciso VII do artigo 37 da Constituição promulgada em 1988. E não têm porque o tal inciso determina - vá lá: incisivamente - que esse direito só será exercido "nos termos e nos limites" de uma lei específica. Específica e até hoje inexistente. Quase no fim de seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique, indignado e estimulado pelos prejuízos causados - tanto para o Estado como para a sociedade - por greves de servidores do INSS e professores universitários, mandou projeto a respeito para o Congresso, que o engavetou entusiasticamente. Na época, para o PT, fervoroso coveiro da iniciativa, era inadmissível, por exemplo, demitir grevistas que causassem dano ao patrimônio público. Ou multar sindicatos que insistissem em greves consideradas ilegais pela Justiça. Hoje, como se diz em Londres, o sapato está em outro pé. O presidente Lula, pela voz do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, anunciou o envio ao Congresso de um projeto de regulamentação. Em princípio e salvo mudança de rumo, será uma proposta para valer, proibindo a paralisação de setores essenciais da máquina do Estado. Aliados de Lula estão caindo de pau. Entidades como a Força Sindical e a CUT sofismam: aprovam a regulamentação do direito de greve (o que não é concessão, já que a Constituição exige isso) mas sustentam que greve alguma pode ser proibida em princípio. Uma discussão séria da questão deveria começar pela natureza da relação de trabalho. O trabalhador na iniciativa particular serve a quem o emprega. O funcionário público é subordinado ao Estado, mas serve à sociedade. A greve do primeiro prejudica o patrão, que precisa escolher entre o custo de atender à reivindicação e o preço da inatividade. Quando o servidor público cruza os braços, a equação é outra: o grande prejudicado não é o patrão, mas o cidadão. Quase sempre, o cidadão mais humilde, que perde o direito à escola, ao hospital, aos serviços da repartição pública, à proteção da polícia.

A Constituinte reconheceu as diferenças entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado - mas não deu conseqüência a isso quando legitimou a greve de funcionários do Estado. Não foi a única de suas incoerências. Durante anos, por exemplo, foi impossível regulamentar o sistema financeiro porque isso exigiria, para começo de conversa, eliminar o grotesco artigo da Carta que amarrava os juros a um teto arbitrário de 12% ao ano. Demorou um bocado para se conseguir acabar com essa bobagem de fixar juros por lei, ignorando o mercado. Pois o governo Lula, quem diria, anuncia agora uma regulamentação para proibir greves em setores essenciais da máquina do Estado. Até aí, tudo bem. Vamos ver quem do governo terá a coragem de identificar, em voz alta, os não essenciais?

Arquivo do blog