Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 18, 2007

O jogo de soma zero Gaudêncio Torquato



Tudo indicava que o Brasil pós-mensalão encontraria o fio da racionalidade e a representação política, estonteada pelos abalos que macularam a instituição parlamentar, iniciaria nova jornada com sabão e esponja para limpar a lama que inundou os dutos da Câmara ao correr da pior legislatura de todos os tempos. Não é o que se vê. A cúpula convexa da Casa dos deputados, maior e mais chapada no alto do que a Casa dos senadores - assim idealizada pelo arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar as ideologias, os anseios, tendências e paixões -, ferve de emoção. Os partidos de oposição acendem a primeira fogueira do ano - a CPI do Apagão Aéreo - e as siglas da situação jogam água na quentura, enquanto começam a balancear alegrias e frustrações, depois de o presidente Luiz Inácio, do trono de sua majestade, ter anunciado a divisão do bolo ministerial. Na cúpula côncava do Senado, só mesmo com muita generosidade se conseguem distinguir os valores que inspiraram seu desenho, quais sejam os da reflexão, experiência e maturidade, a começar pelo esquentamento do seu presidente, Renan Calheiros, ainda ressabiado com o presidente Lula por este não ter dado um empuxo à candidatura de seu patrocinado, Nelson Jobim, à presidência do PMDB. As duas cúpulas do Congresso reiniciam o jogo de soma zero que tensiona jogadores e técnicos, dando continuidade a um eterno campeonato de caneladas, traições, jogadas ensaiadas e times comprados.

A legislatura começa com transpiração. A oposição na Câmara deseja “transformar a vida do governo num inferno” e instalar, ali, o ambiente de delegacia de polícia do ano passado. A “infernização”, dizem opositores, constitui um escudo de “defesa da democracia”. O argumento é um sofisma. Entre as virtudes do sistema democrático se relaciona a que confere ao Poder Legislativo a possibilidade de fiscalizar os atos do Poder Executivo. E não se questiona a observação do ministro Celso de Mello de que a investigação parlamentar é um instrumento das minorias, o que, aliás, aponta para a tendência do STF a acolher o recurso da oposição para instalar a CPI do Apagão Aéreo. Mas a democracia não implica apenas relação conflituosa entre contrários. A dialética do jogo democrático pressupõe, também, a cooperação, que se alcança pela via da persuasão e das instâncias para prevenir conflitos. Estes são até necessários para gerar a diferenciação política no campo ideológico, mas devem guiar-se pela régua da moderação, evitando ultrapassar os limites da medição de forças. Quando não existe propensão para o diálogo, a alternativa é o caos. Se não temos a sólida base das democracias clássicas, como as européias, mais razão há para a criação de espaços capazes de desobstruir as tensões do jogo político.

Veja-se a conta negativa debitada à oposição em função da agenda negativa dos últimos dias: bloqueio do projeto que dobra de 360 para 720 dias o período de reclusão no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), de segurança máxima, dos presos envolvidos com organização criminosa dentro da cadeia; bloqueio do projeto que amplia o benefício da delação premiada para criminosos já condenados; e bloqueio da emenda constitucional que extingue o voto secreto congressual em plenário. Tais projetos vão ao encontro dos anseios sociais. Logo, os representantes oposicionistas, ao obstruírem as votações, atiram contra os representados. De que adianta promover a confrontação violenta quando projetos de defesa social sugerem cooperação? No entanto, os parlamentares preferem se engalfinhar numa disputa do “poder pelo poder”, no fluxo da fulanização da política, praga que corrói o corpo doutrinário e estiola a vida partidária. Num lado, beltranos do fisiologismo imploram as migalhas do banquete governamental para fazer a defesa da corte; noutro, sicranos do oportunismo levantam a voz para atacar os cortesãos e, claro, conferir contraste aos perfis.

Esse modo de fazer política, ancorado na meta da rivalidade permanente, apelidado de “estilo chimpanzé” pelo sociólogo chileno Carlos Matus, ex-ministro de Salvador Allende, mostra que ainda habitamos a selva. Há símios por todos os lados lutando para dominar a manada. Não bastasse este 0 a 0, densa agenda espera receber, há tempos (e haja tempo!), a atenção parlamentar. O povo exige uma pauta que integre suas prementes demandas. A sociedade está desprotegida. O sistema educacional é obsoleto. A saúde vai mal. A tão proclamada reforma política cai de madura. O País não dará um passo adiante caso os padrões políticos continuem favorecendo a barbárie. Não dá mais para conviver com partidos-ônibus, por onde entram e saem figuras a toda hora, ou siglas de araque, bens à venda no balcão eleitoral. Não dá mais para votar em candidato Copa do Mundo, que só se lembra do eleitor de quatro em quatro anos. A lengalenga da reforma tributária já saturou. O País precisa deixar de patinar no mesmo lugar.

Já o presidente Luiz Inácio, que parece não dar ouvidos ao bom senso, precisa tirar do ponto morto o carro do segundo mandato. Há meses o País vive de parolagem. Nem bem nasceu, o PAC se encontra emPACado. A causa? A lerdeza do Executivo. O corpo parlamentar espera por cargos antes de endossar a pauta do Executivo. Com seu estilo de dividir para somar, Lula reina absoluto “por cima da carne seca”. Fomenta a divisão até no próprio partido. Não é admirar que, só mesmo no Brasil, o PT vete o governo do PT. Basta ver as teses contra a política econômica que alas petistas levarão ao 3º Congresso do partido. Mas o presidente não se incomoda. Com o olho direito pisca para 11 partidos da base, com o olho esquerdo enxerga os horizontes de 2010. Entre as piscadas, Lula diz não ter pressa. Afinal, é um aluno aplicado de Domingos, filósofo que Sebastião Nery achou em Jaguaquara, na Bahia, e ensinava o seguinte. “O almirante Barroso disse: ‘O Brasil espera que cada um cumpra com o seu dever.’ Ora, se o Brasil espera, para que a gente se afobar?”


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