Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 01, 2007

Míriam Leitão - Perder a onda


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
1/3/2007

O PIB saiu fraquinho, como se esperava, mas foi divulgado um dia depois do susto de um solavanco na economia. Os mercados se acalmaram ontem, mas o sacolejo lembrou que o tempo favorável não vai durar para sempre, e o Brasil já perdeu a maior parte da boa temporada. A recuperação ou a interrupção da queda das bolsas não põem fim à desconfiança em relação à economia mundial.

O número baixo do PIB mostra que, em mais um ano, o Brasil não conseguiu sair da letargia em que se encontra. Há mais de dez anos, cresce menos que o mundo. Entra governo e sai governo, e tudo o que se consegue, de vez em quando, é um ano bom. No governo Lula, o único bom número foi o de 2004.

A tentativa de encontrar um culpado único sempre leva todos os olhares para o Banco Central. Esta semana, de novo, tudo estava preparado para pôr o suspeito usual no banco dos réus. Henrique Meirelles com seus diretores na Comissão de Assuntos Econômicos era o momento ideal para um show do senador Aloizio Mercadante, cobrando queda imediata da taxa de juros, que seria apontada como a culpada única e exclusiva por perda de partes do produto.

A ironia do destino foi que, exatamente na terça-feira, foi o dia em que as bolsas do mundo despencaram, os riscos subiram. Isso ajudou o presidente do Banco Central a valorizar, de novo, a estratégia da "parcimônia" na queda da taxa de juros. Ele tem e não tem razão.

Tem razão porque o Brasil tem fragilidades enormes ainda, apesar da robustez dos números externos: uma equação fiscal que não fecha. É preciso mesmo ter cuidado. Não tem razão porque não é a taxa de juros lá em cima que vai garantir que reformas sejam feitas, gastos sejam controlados. Não são os juros caindo lentamente que vão dar estabilidade à economia. O Brasil continua vivendo, ano após ano, governo após governo, da mesma forma: quem faz o ajuste fiscal e garante o superávit primário é o contribuinte, que manda mais dinheiro para o Tesouro. O governo aumenta seus gastos, investe pouco, não quer fazer reformas e arrecada mais. Só assim as contas fecham: graças ao contribuinte.

Está aí uma das razões da anemia: não pode crescer um país em que o governo inchado tira cada vez mais dinheiro do setor privado. Não pode crescer um país que investe tão pouco. O investimento tem, sim, subido em números absolutos, mas o Brasil é tão carente em algumas áreas de infra-estrutura que este crescimento não tem sido suficiente, nem ajudado o país a crescer muito mais. O investimento é muito desigual e está concentrado em dois setores: petróleo e telecomunicações. Mas falta em transportes e saneamento. A Abdib, associação da indústria de infra-estrutura, diz que ainda continua esperando as boas novas do PAC que, por enquanto, está tão no papel quanto as concessões suspensas de algumas estradas e as PPPs.

Na área externa, o Brasil tem uma saúde inédita. Nunca antes - mesmo, gente -, na história deste país, teve-se US$100 bilhões em reservas. No BC, há uma máxima proferida toda vez que alguém diz que as reservas custam caro: "Em dias de sol, é que se conserta o telhado." O problema é que o telhado foi consertado pela metade: o setor externo vai bem; o setor fiscal, mal. Os indicadores externos melhoraram tanto que hoje é até indiferente que se nomeie para representante do Brasil no FMI um economista com uma visão tão júnior do que seja o papel do Fundo e das instituições de crédito multilaterais.

Na discussão no Senado, Aloizio Mercadante estava errado ao culpar o Banco Central por perda de nacos do produto. O governo Lula passou quatro anos e não fez uma PPP, iniciou um volume mínimo de obras na geração de energia elétrica, aumentou mais a carga tributária, anarquizou o sistema regulatório. Como poderia crescer apenas pelo passe de mágica da queda dos juros?

Henrique Meirelles também está errado quando acha que apenas mantendo uma extravagante taxa de juros, que cai de forma parcimoniosa, resolverá os problemas estruturais da economia brasileira. Suas declarações são ensaiadas, parece ter decorado o texto. Pelo menos nestes, que podem ser seus momentos finais no cargo, Meirelles deveria dizer que parte da relutância em derrubar os juros é para compensar a política fiscal expansionista.

Haverá uma mudança na metodologia do PIB que pode melhorar um pouco o número de 2006. Portanto, o dado de ontem é provisório, mas não vai melhorar muito. O setor governo, 16% do PIB, era calculado pela taxa de crescimento populacional e será mais exato a partir de agora; o setor financeiro (8%) era calculado com um ajuste (o dummy) desde a época da superinflação, que distorcia os dados. Agora, será feito sem esse ajuste e, como houve um aumento muito grande do crédito consignado, o professor Luiz Roberto Cunha acha que o setor deve ter um aumento maior que o calculado. A agricultura só poderá ter seus cálculos modernizados quando for feito um novo Censo Agrícola, no ano que vem. Os números podem ser aperfeiçoados, mas eles continuarão mostrando uma economia anêmica, perdendo o melhor momento mundial, e numa hora que já começam a soar as trombetas avisando que nenhum boom internacional dura para sempre.

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