Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 20, 2007

Míriam Leitão - Capitalismo à moda



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
20/3/2007

Nos anos 90, na tentativa de ter um mercado de petróleo com competição, o governo propôs o fim do monopólio da Petrobras e privatizou a Petroquisa. Dez anos depois, o monopólio nunca acabou, e a empresa recriou toda a presença que tinha na área petroquímica. Ontem comprou a Ipiranga. O setor privado gosta, principalmente a Odebrecht. No Brasil, o capitalismo não pegou. Empresa privada gosta mesmo é de estar casada com uma estatal.

Após a privatização, a Petrobras ficou apenas com 15% de capital em cada uma das centrais e vendeu quase toda a segunda geração. Exceto pequenas participações. A volta da Petrobras à petroquímica foi sendo feita devagar, pelas bordas, mas com o entusiasmo e a torcida do setor privado. No Brasil, todas as empresas que atuam em qualquer área do petróleo querem ser sócias da Petrobras. Basta ver o que tem acontecido nos leilões de áreas novas de prospecção.

Quem abriu o espaço para a volta da Petrobras à petroquímica foi a Odebrecht. A criação da Braskem foi uma operação montada para que a Odebrecht e a Petrobras fossem sócias. Se dependesse só do empresário Emilio Odebrecht, a sociedade seria de 50% a 50%. Mas a estatal decidiu ser minoritária.

A operação anunciada ontem de compra da Ipiranga por Petrobras-Ultra-Braskem tem várias conseqüências para o setor de petróleo e petroquímica no Brasil. Algumas delas: a Petrobras aumenta sua presença na petroquímica, fica ainda mais forte na distribuição e acaba com o último resquício do setor privado no refino; a Braskem, que já é a empresa dominante no setor petroquímico, aumenta mais a distância para a segunda colocada, a Suzano. Outra conseqüência: aumenta a simbiose entre Braskem, da Odebrecht, e a Petrobras.

Há um ano, a Braskem apresentou à Petrobras uma proposta de reorganização dos ativos petroquímicos da estatal cujo resultado seria aumentar o poder da Braskem na Copesul. Na época, houve resistência da própria Ipiranga e dos sentimentos gaúchos de algumas lideranças políticas. Achava-se que era uma empresa baiana comprando um ativo no Sul.

Se consolidasse todos os ativos da Petrobras dentro da Braskem, como o proposto na semana passada, a empresa baiana controlaria o pólo do Sul. E a Ipiranga não aceitou. Com esta operação de ontem, o resultado será ainda maior porque agora, com a Ipiranga nas mãos da Petrobras e da Braskem, o grupo baiano realiza seu sonho de criar o Pólo Petroquímico Norte-Sul.

A empresa do grupo Odebrecht acha que essa briga estadual não faz sentido nenhum dentro do processo de globalização. Tem razão; não faz mesmo. Como também não faz um grupo privado, que quer se mostrar globalizado, não ser capaz de dar um passo sem a grande estatal do lado, como tem feito.

Quanto ao fim do monopólio, esqueçam. A Petrobras continua, como sempre, controlando de forma absoluta a área de petróleo no Brasil. Controla toda a produção, quase toda a exploração, a importação, a exportação, o transporte, o refino, um terço da distribuição, o gás e quer ser presença forte no etanol.

Quando foi criado o monopólio estatal do petróleo, em 1954, as duas refinarias, da Ipiranga e de Manguinhos, tiveram autorização para continuar funcionando, mas não podiam expandir suas atividades. Quando foi aprovada a emenda que pôs fim ao monopólio, em 1997, elas não tiveram capacidade para crescer. Manguinhos chegou a parar suas atividades recentemente e agora vai redirecionar suas atividades para o biodiesel. E a refinaria da Ipiranga continua pequena: refinando de 12 mil a 14 mil barris/dia, principalmente para produzir nafta para a Copesul. Tem ainda a refinaria Alberto Pasqualini, que é uma empresa à parte, uma joint venture entre a Repsol e... a Petrobras, claro! A divisão de capital é 30% Repsol e 70% Petrobras.

Mesmo empresas estrangeiras, quando vão participar de algum negócio que tenha a ver com petróleo no Brasil, seja entrando nos leilões de exploração de novas áreas ou em qualquer outro setor, preferem estar associadas à estatal. O argumento é que entrar num mercado que tem uma empresa tão dominante é muito arriscado, por isso a forma mais segura de fazer é associando-se a essa companhia.

A melhor notícia da operação de ontem é o fracasso da tentativa da PDVSA de comprar a Ipiranga. Um pouco de capital estrangeiro faria bem ao mercado, mas a PDVSA é uma empresa estatal dominada pelo governo de uma forma tão escandalosa que faz a Petrobras do governo Lula parecer uma empresa privada. A gasolina é absurdamente barata na Venezuela, mas porque não há nada parecido com sistema de mercado de formação de preços. Lá é uma forma de aplacar o mau humor da classe média, que tem carro, contra o governo chavista.

Outra notícia interessante dessa operação é que a alta dos preços dos produtos petroquímicos e a valorização das ações das bolsas dos últimos dois anos permitiram que, em tempo recorde, a Ipiranga saísse da situação de uma empresa extremamente endividada para a de uma empresa em boa situação.

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