Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 11, 2007

Miriam Leitão Histórias de mulher

Um urso matou um caçador sueco. Foi em Pitea, distrito do norte da Suécia. Na mesma semana, uma mulher, mãe de três filhos, foi morta a machadadas pelo seu ex-companheiro. A imprensa local deu mais destaque à morte do caçador, já que violência contra a mulher é mais comum. O final da história foi inesperado: os homens se rebelaram e exigiram mudanças nas leis suecas de proteção à mulher.

Há ofensas que promovem avanços, sem querer.Larry Summers é um desses insuspeitos beneméritos.Foi ele ofender as mulheres que o poder trocou de mãos em Harvard. Hoje, como se sabe, ele perdeu o emprego, e Harvard é presidida por uma mulher. A arrogância de Larry Summers é velha conhecida dos economistas brasileiros, da época em que ele era subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos.

Menos conhecida era sua ignorância.Ele disse alguma coisa sobre a mente das mulheres não estar preparada para a ciência, para as exatas.

Para ter dito isso, precisava desconhecer a contribuição de inúmeras mulheres para o avanço de várias áreas da ciência. Uma história remota e pouco conhecida é a de Hipátia, um dos gênios da matemática da Antiguidade. Nasceu no ano 370 d.C. Bonita e inteligentíssima, era professora do Museu de Alexandria.

Foi responsável por avanços no conhecimento da geometria e da astronomia e também inventou alguns instrumentos da física.

A maior parte da sua obra teórica foi queimada junto com a Biblioteca. Por ser pagã no avanço do cristianismo, foi morta violentamente nas ruas de Alexandria por fundamentalistas seguidores de São Cirilo, em 415. Se, antes de falar, Summers tivesse feito uma pequena pesquisa, descobriria que o século XIX registra um número de, pelo menos, 80 mulheres relevantes para a ciência. E isso antes do século XX, no qual as mulheres deram o primeiro grande salto. O segundo será no século XXI, na ocupação de espaços de poder.

Atribuir limitações, ou especialidades incapacitantes, à mente da mulher é velho como o mundo. Mas os adeptos nunca se cansaram de novas teses. Em 1968, dois antropólogos, Richard Lee e Irven Devore, escreveram “Man the Hunter”.

A tese era: os homens caçavam e as mulheres eram coletoras; e foi na caça, nos desafios da estratégia e da produção de armas e ferramentas, que se desenvolveu o córtex cerebral.

Detalhe: que inteligência sobrou às mulheres, supostamente dedicadas às atividades pouco desafiadoras? A estultice dos dois antropólogos foi responsável, dizem alguns, por um aumento enorme de mulheres no estudo da antropologia, para desmontar a teoria, da qual não restam frangalhos.

O caso sueco de 2005 está descrito na tese da finlandesa Johanna NiemiKiesiläinen, professora da Universidade de Umea, que acompanhou as reformas que se seguiram à dupla morte: da mulher e do caçador. A virada do jogo foi iniciada por um homem: Hans Hansson. Ele organizou um movimento de homens contra a violência contra a mulher, conseguindo 10 mil assinaturas num pedido ao ministro da Justiça por leis mais rigorosas e políticas mais eficientes de proteção à mulher sueca contra esse problema universal. E daí saiu, de fato, uma reforma com tipificação de novos crimes e aumento das penas para as várias formas de violência.

Em cada dia da mulher, nos debates de que participo, sempre ouço a afirmação de que o problema está quase resolvido. Esse prematuro baixar de armas é o maior risco. E, antes que digam que minha mente feminina está fugindo dos números, aqui vão alguns deles: em 2006, com todos os progressos e mudanças, a presença de mulheres nos parlamentos era de 16,6% na média mundial.

E quem sobe a média não são os Estados Unidos, com 14%; França, com 12%; ou Japão, com 9%; mas países africanos, como Etiópia, com 21%; Uganda, com 24%; Burundi, com 31% e até Ruanda, com 48%, de acordo com os dados da União Parlamentar Mundial.

A Suécia, claro, tem um bom número: 45,3%. Segundo a ONU, 98 países adotam atualmente um sistema de cotas para aumentar a presença de mulheres no Congresso. Isso elevou, de 1999 a 2006, o número de mulheres parlamentares de 5 mil para 7,1 mil. No ano passado, foi eleita Ellen Johnson-Sirleaf, presidente da Libéria; e Michelle Bachelet, presidente do Chile.

Mas, contando com as duas, são apenas 11 as mulheres chefes de Estado no mundo neste começo do Terceiro Milênio. O século XIX viu nove mulheres comandarem países, uma delas, a nossa Princesa Isabel, nos três anos e meio, picados, de ausência do pai.

A mudança acontece, mas é lenta ainda. A ONU criou um indicador para acompanhar, em cada país, a desigualdade de gênero.

Ao avaliar 164 países, concluiu que só houve progresso significativo em 51 deles.

Em 85, houve leves progressos; 17 ficaram estagnados e os outros 11 regrediram. No Brasil, houve progresso enorme na educação, com as mulheres até superando os homens nos indicadores educacionais, mas, nos salários, elas estão numa situação contraditória: as que têm de zero a três anos de escolaridade recebem 82% do que ganham os homens.

Para as que têm de 15 a 17 anos de estudo, a diferença aumenta: elas ganham apenas 59%.

A estratégia de poder que deu o comando ao homem tem sido bem-sucedida desde o começo da humanidade.

Não é tarefa fácil desmontála. Esta conversa está só começando. A melhor forma de impedir o avanço é não ver que longa é a estrada à frente.

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