Onda de chantagens na Itália levanta a questão dos
limites da privacidade na era do culto às celebridades
O jogador Adriano, com amigas |
Os paparazzi, fotógrafos que caçam celebridades, costumam cobrar caro por seus flagrantes publicados na imprensa. Na Itália, um grupo de paparazzi decidiu passar para o lado do crime e ganhar dinheiro de outra forma: cobrando para não divulgar as fotos que produz. Na semana passada, promotores italianos descobriram uma máfia da fotografia que chantageava celebridades exigindo milhares de euros para que imagens suas em situações comprometedoras não aparecessem na imprensa. Entre as vítimas da quadrilha estão atletas, políticos e empresários. A filha do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, Barbara, fez o pai desembolsar 20.000 euros para evitar a divulgação de uma foto em que aparecia bêbada ao lado de um desconhecido na saída de uma boate. O jogador de futebol Francesco Totti, capitão do Roma, pagou 50.000 euros para impedir a circulação de imagens suas com uma apresentadora de TV. Na época, sua mulher estava grávida. Até o atacante brasileiro Adriano, do Inter de Milão, foi alvo do golpe. O jogador não cedeu aos chantagistas e um jornal sueco reproduziu as imagens em que ele aparece numa festinha íntima com amigas desinibidas. Outra vítima da máfia das lentes foi Silvio Sircana, porta-voz do primeiro-ministro Romano Prodi, flagrado conversando com um travesti. A quadrilha foi descoberta durante uma investigação sobre uma rede de prostituição e drogas.
O paparazzo – termo que surgiu com o personagem homônimo do filme A Doce Vida, de Federico Fellini, de 1960 – é um personagem típico da era do culto às celebridades. Seu trabalho é fotografar pessoas famosas de surpresa, de preferência em situações nas quais elas não gostariam de ser fotografadas. Quanto mais constrangedora for a imagem, mais atraente ela se torna aos olhos de um público ávido por escarafunchar a vida dos ídolos do cinema, da TV ou da música. E também das celebridades que nem profissão têm e, como definiu o escritor americano Daniel Boorstin, "são famosas por ser famosas". Os paparazzi freqüentemente são alvo da ira de seus personagens, mas a verdade é que há entre as duas partes uma relação de dependência. Quando algum artista, atleta, socialite ou político de destaque deixa de atrair fotógrafos xeretas, é sinal de que sua carreira de celebridade está decadente. Não é à toa que muitos artistas e políticos mantêm a imprensa informada de seus compromissos sociais, tentando garantir a presença de fotógrafos nos eventos.
A questão que se coloca na ação dos paparazzi é até que ponto eles têm o direito de invadir a privacidade alheia. É perfeitamente compreensível que as pessoas famosas queiram proteger sua vida particular, expondo-se apenas nas ocasiões que lhes interessam. Cada vez mais, essa justa aspiração se choca com os cânones da era das celebridades, hoje turbinada por tecnologias que favorecem a bisbilhotice, como os celulares com câmera e os sites YouTube e Orkut. Para fazer parte do jogo da fama, é preciso se conformar com o fato de que basta sair à rua para ficar exposto aos cliques de um paparazzo. Na Itália, é preciso também torcer para que ele não seja um chantagista.