O que fazer com a Amazônia? Muita coisa, diz o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Ele acha que o Brasil deve liderar uma “nova economia da floresta”, e há inúmeros exemplos de usos mais racionais que os atuais. Um dado: a madeira no Brasil perde 84% do valor ao longo da cadeia produtiva. Outro: perdemos para a Bolívia o mercado de castanhas-do-pará.
— A idéia de uma economia da floresta não é minha, eu a ouvi da geógrafa Berta Becker, que disse, certa vez, que temos de trazer valor econômico ao âmago da floresta. Há gente estudando e alertando sobre isso — contou Carlos Nobre.
A conversa com ele começou no programa da Globonews.
Fiz um resumo da entrevista no meu site no Globo Online e recebi mensagens, comentários e pedidos de mais informações.
Carlos Nobre também recebeu mensagens. O texto do site circulou pela rede.
Voltei a Nobre para detalhar mais o assunto. Parece um veio inesgotável, que tentarei resumir aqui.
É razoável pedir a um país em desenvolvimento que abra mão da exploração econômica de uma região que representa 40% do seu território? Foi o que perguntei a ele no programa.
A resposta foi que é preciso explorar a floresta de uma forma mais inteligente e rentável que a feita atualmente: — O melhor a fazer com a Amazônia não é isolá-la, mas estudá-la.
A sua tese é que qualquer dos usos atuais da floresta é menos rentável que aqueles que podem existir se a estudarmos melhor. A pecuária, por exemplo, é um uso que define como “simples”.
Em nome dela, a Amazônia tem sido desmatada de uma forma irracional do ponto de vista econômico. A floresta é destruída para se vender apenas as árvores nobres e queimar o resto, depois plantar capim para a entrada do gado ou, então, da soja. Espécies nativas têm também alimentado os fornos de siderúrgicas. A maior parte disso é ilegal e não traz progresso algum como vários estudos — e os próprios dados da realidade brasileira — mostram. A Amazônia vale mais do que temos aceitado receber por ela.
— O Brasil sempre se desenvolveu copiando modelos externos, mas agora não há nada que possa ser copiado.
Não podemos ir para a África, ou a Europa, ou qualquer outro lugar aprender sobre o que fazer na região. Na Amazônia, além dos princípios ativos, tem uma megadiversidade, complexas teias biológicas, onde podemos aprender como é a vida.
Na nova conversa que tive com ele, instigada pelos leitores do site, pedi mais exemplos desta “nova economia da floresta”. Nobre deu vários: — Estudos do Imazon, uma ONG de Belém, mostram que, na indústria madeireira da Amazônia, há uma perda de 62% entre a madeira retirada da floresta e a que sai serrada da serraria. Isto é, de 100m³ de madeira que chegam à serraria, só saem 38m³. Na cadeia toda, dos 100m³, a indústria acaba gerando apenas 16m³ de produto final, o resto é perda. No Canadá, aproveitam-se 98% da madeira.
Nobre conta que uma das maiores fabricantes de produtos de madeira é a Itália, que não planta uma árvore para isso. Recebe madeira serrada do Brasil e de outros países e investiu em tecnologia e design.
Perguntei se esse desenvolvimento da indústria da madeira não iria ser um incentivo para desmatar ainda mais. Ele acredita que é exatamente o oposto.
— Uma exploração moderna e sustentável da madeira, não a ilegal como é, em geral, feita atualmente, é sem desmatamento, sem tirar o que a floresta não possa recuperar — afirma.
O Brasil aproveita apenas 60 das 2.000 espécies de madeira que têm valor comercial; falta apenas estudálas melhor.
Investir no conhecimento da Amazônia, da sua biodiversidade, é o centro do modelo que ele defende.
— Falo genericamente em bioindustrialização para me referir a uma longa lista de produtos farmacêuticos ou de alimentos que poderiam ser explorados economicamente se houvesse mais pesquisa; mais investimento em inovação, em tecnologia. Temos que dar escala ao que já sabemos.
Carlos Nobre lembra o açaí, que era apenas uma fruta local e hoje está em todo o Brasil. Ou o Cupuaçu.
— Existem 500 espécies frutíferas pouco conhecidas na Amazônia.
Há, segundo ele, um centro excelente de estudos da madeira em São Carlos.
— O país deveria ter, na Amazônia, o melhor centro de estudo de madeira do mundo. Não temos plano algum. Não temos a cultura da floresta. Não estamos educando o caboclo do futuro para que ele vá adiante dos seus pais na exploração do potencial econômico da região. Não estamos pesquisando o valor econômico da biodiversidade — angustiase o climatologista.
Há um segundo exemplo que virou até case internacional: como o Brasil perdeu o mercado de castanhadopará, as brazil nuts.
— O Brasil era, até 10 anos atrás, indisputavelmente o líder de produção e exportação das brazil nuts, produto tradicional da Amazônia. Não é mais. Agora é, disparado, a Bolívia, que abastece 80% do mercado mundial. Como um país pobre, como a Bolívia, conseguiu tal feito? Alguns empresários de Cobija, na fronteira com o Acre, criaram uma indústria de processamento e descobriram uma forma de debelar uma toxina (a aflatoxina), que estava afastando o Brasil do mercado internacional. Isso fez deles os maiores produtores mundiais, criando 28.000 empregos diretos.
Além de comentários no site sobre o assunto, recebi também e-mails. Um deles trazia sugestões e exemplos, e o leitor admitia que tinha perdido parte da noite pensando no assunto. O tema é mesmo instigante. É hora de pensar.
Entrevista:O Estado inteligente
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