Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 03, 2007

Dora Kramer A palavra dita a norma



Se a palavra dita tem valor, substância e credibilidade, ela acaba também ditando as normas, conduzindo as condutas, pautando os atos. O presidente Luiz Inácio da Silva na quinta-feira reuniu jornalistas para o que ele preferiu chamar de “conversa informal”, mas que foi, sim, uma entrevista.

Encontro de presidente da República com 11 jornalistas no Palácio do Planalto e em horário de expediente, só por anulação ou inversão deliberada dos significados pode ser classificado como um bate-papo entre amigos.

A menos que o anfitrião pretenda propositadamente retirar de suas palavras qualquer peso oficial de compromisso assumido com as declarações feitas. Ainda assim, seria uma proposição unilateral. Demasiadamente agressiva aos fatos e, por isso, não deve ser este o motivo da preferência de Lula por “conversar” no lugar de se deixar oficialmente entrevistar.

No início do primeiro mandato, mais exatamente em 20 de agosto de 2003, o presidente fez uma reunião semelhante em que, como nesta, foi cobrado a falar sobre sua disposição de repetir a dose no poder. Na ocasião, falou-se de reeleição. Lula desconversou, aventou fortemente a hipótese de não concorrer - “historicamente os segundos mandatos têm sido ruins para os presidentes” -, mas disse preferir entregar o futuro ao decorrer dos acontecimentos.

Agora falou-se sobre a possibilidade de o presidente vir a buscar a chance de disputar um terceiro mandato. Lula foi firme, mas não foi definitivo. E como as palavras ditas por ele ao longo de sua trajetória - considerando também o período na oposição - não tem primado pelo compromisso com a coerência posterior, convém esquadrinhar com cuidado a declaração feita nesta última entrevista.

“É muito improvável. É inexeqüível”, disse o presidente no primeiro momento, para se corrigir - “é impossível” - logo em seguida, diante da busca dos presentes pela precisão dos termos, dada a importância da informação.

Na espontaneidade, pronunciou duas palavras que dão margem a dúvidas. “Improvável” é o que não parece ter chance de vir a se provar; “inexeqüível” é o que não se pode executar. Não traduzem, nem uma nem outra, uma convicção inabalável.

Bem como não reflete repúdio liminar à idéia a expressão “é impossível”, enfatizada no complemento: “Disputei dentro das regras, vou respeitar as regras.”

Ficaria resolvida a questão, para efeito de registro histórico pelo menos, se o presidente tivesse acrescentado que, mesmo na eventualidade de alteração nas regras, em 2010 já se terá dado por satisfeito com os oito anos passados na Presidência da República.

A manifestação de Lula, tal como foi feita, não pode ser tomada como um roteiro seguro dos próximos anos. Que não se tire por menos o tirocínio presidencial nem se acredite que ele simplesmente se embaralhou com o significado exato das palavras. Quando quer e lhe interessa, Lula sabe manejar o idioma e expor suas idéias.

Não há motivo para duvidar da sinceridade das palavras do presidente no que tange ao presente. Há quatro anos, da mesma forma, não falseou quando examinou a hipótese de encerrar os trabalhos presidenciais findo o primeiro mandato.

Se a crise que o levou ao fundo em 2005 não tivesse tido uma viravolta para ele positiva meses depois, não é de se duvidar da possibilidade de Lula não ter concorrido à reeleição.

Na quinta-feira, em sua entrevista, Lula não disse que um terceiro mandato está fora de cogitação. Disse que, considerando as atuais condições, não é um projeto factível. Só isso.

Atalho

A discussão sobre a Lei de Improbidade Administrativa, tal como foi posta anteontem no plenário do Supremo Tribunal Federal, com ataques à atuação do Ministério Público, em particular às motivações deste ou daquele procurador neste ou naquele caso, não contribui para o essencial em jogo: o instrumento de controle sobre desvios de agentes públicos.

Se a legislação acaba sendo inócua frente à morosidade da Justiça, se serve de arma a maquinações de natureza política, não é defeito da lei. E, portanto, as coisas não se resolvem com sua revogação, cujo efeito colateral é bem pior.

Esvazia o Ministério Público como instância de defesa da sociedade, reduz o espaço de fiscalização sobre os administradores e livra liminarmente processados de ações em andamento.

Irracional

“Violência, às vezes, é uma questão de sobrevivência”, pontificou o presidente Lula.

De fato, é assim mesmo a lei da vida. Na selva.

Matriz

Tem sido recorrente a exaltação do magnetismo pessoal dos presidentes da República. Em José Sarney ressaltava-se a fidalguia, em Fernando Henrique Cardoso o charme, em Lula a envolvente informalidade.

Como esse tipo de avaliação não costuma sobreviver à vigência dos mandatos, suas excelências não devem se iludir: sedutor mesmo é o poder.

E-mail: dora.kramer@grupoestado.com.br

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