Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 13, 2007

Dora Kramer - No quartel de Abrantes



O Estado de S. Paulo
13/3/2007

Uma entrevista do deputado Márcio Junqueira (PFL-RR) publicada na edição dominical do Estado fornece um retrato breve, mas assombrosamente completo, das “relações virtuosas” que o presidente Luiz Inácio da Silva se orgulha de manter com o Congresso Nacional.

Na semana passada, durante a cerimônia de posse de seus novos líderes no Congresso, o presidente qualificou assim - como virtuoso - o relacionamento mantido com o Parlamento em seu primeiro mandato.

Naquele dia, soou peculiar o conceito de virtude de sua excelência. Mas a entrevista do deputado Junqueira contando ao jornalista Expedito Filho os termos da proposta que recebeu para trocar o PFL pelo PR esclarece a questão: não é a idéia de virtude de Lula que é singular; é a generalização do vício que inverte os valores e faz o vicioso assumir o lugar do virtuoso no cotidiano das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Segundo o relato do deputado, a tentativa de cooptação foi direta: se saísse do PFL e se filiasse ao PR ganharia o direito a cargos no Ministério dos Transportes e poderia também indicar as empresas prestadoras de serviços de sua preferência e interesse, bem como participar da negociação das emendas ao Orçamento relativas às obras a serem contratadas.

A idéia partiu de um empresário, o interlocutor foi o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento e o partido em questão é a nova legenda do vice-presidente da República que, sob a presidência de honra (!) de Valdemar da Costa Neto, tem apresentado um desempenho fantástico: elegeu 35 deputados federais, já aumentou a bancada para 40, tem planos de chegar em breve a 50 e conta com um governador (Blairo Maggi, de Mato Grosso) e um ex-governador (Lúcio Alcântara, do Ceará) em suas fileiras.

Estão aí expostos todos os elementos que compuseram as crises de 2005, desmoralizaram de vez o Congresso, fizeram cair a máscara ética do PT, não abalaram a força eleitoral de Lula, mas subtraíram dele autoridade para condenar a fisiologia do sistema.

Não faltou nada na repetição do roteiro: troca de apoio por votos, uso da máquina estatal, manipulação de emendas do Orçamento, intermediação do empresário candidato a fornecedor, tráfico de influência, envolvimento direto do poder central, o desmentido de praxe, a participação do denunciante e a tentativa de intimidação como primeira reação.

O deputado Márcio Junqueira, o alvo da proposta, só abriu o jogo porque, ao molde de Roberto Jefferson dois anos atrás, também teve seu interesse contrariado. Não conseguiu fechar o negócio porque o líder do PR, Luciano de Castro, é de seu Estado, Roraima, e vetou a entrega de armas de poder ao concorrente.

Incendiou a ponte quando viu que não podia passar por ela. Como dantes, agora também o partido denunciado reagiu com indignação. Avisou que vai denunciar o denunciante à corregedoria da Câmara, instância providencialmente controlada pela base de apoio governista.

A idéia é bastante clara: pede-se investigação pró-forma, o caso cai na mão de amigos, não prospera e ainda se obtém o efeito demonstração pelo qual são inibidas outras possíveis intenções de denúncia.

Em 2004, falou-se pela primeira vez em operações parlamentares de compra e venda no governo Lula. Foi numa reportagem da revista Veja que mostrava os valores acertados entre o PTB e o PT para financiamentos de campanhas eleitorais.

Prevaleceu o desmentido. Não havia provas materiais, as testemunhas acharam melhor calar e, de mais a mais, naquela altura uma negociação daquela natureza parecia um tanto inverossímil.

Não por causa do histórico do PTB, mas por conta ainda da boa fama do PT e principalmente porque não havia sido inaugurada a era da fisiologia explícita e ideologicamente avalizada por um partido de origem de esquerda.

Hoje, uma história como a relatada pelo deputado Márcio Junqueira não surpreende e faz todo o sentido. O único risco que se corre é de o episódio ser plenamente aceito como natural, por corriqueiro, tradicional e muito representativo do conceito vigente de virtude aplicado às relações institucionais.

Secos e molhados

Reeleito presidente do PMDB, o deputado Michel Temer ressuscitou a história da candidatura própria à Presidência da República, já contada inúmeras vezes pelo partido.

Se vier a ter candidato, o PMDB o fará para atender ao interesse do partido ou do postulante a candidato mais bem posicionado na ocasião.Como já é de hábito nessa tradicional casa do ramo.

Reposição

Apenas por respeito aos fatos: não é exata a informação de que Lula será, no final do mês quando for aos Estados Unidos, o primeiro presidente brasileiro a se hospedar na residência oficial de veraneio dos presidentes americanos em Camp David.

Em 1998, Fernando Henrique Cardoso passou lá três dias - entre 6 e 9 de junho - a convite de Bill Clinton.



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