Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 10, 2007

DORA KRAMER Conceito de virtude

Conceito de virtude

DORA KRAMER

A palavra é fácil ao presidente Luiz Inácio da Silva, que não dispõe da mesma competência quando se trata do conteúdo dos pensamentos emitidos. Isso é sabido, como é conhecida também a falta de compromisso presidencial com a correspondência entre as declarações e os fatos.

Quinta-feira, na cerimônia de posse dos novos líderes do governo no Congresso, porém, o presidente se superou. No entusiasmo, declarou que o resultado de suas relações com o Congresso no primeiro mandato foi “o mais virtuoso possível”.

Se não inverteu deliberadamente o significado de “vicioso”, então limitou suas possibilidades de virtude ao grau ínfimo. Mas se o espetáculo da parceria entre o Executivo e o já notório “pior Legislativo” de todos os tempos é mesmo, na visão de Lula, um exemplo de dignidade a ser seguido, algo de peculiar ocorre com a noção de virtude do presidente da República.

Os acontecimentos apontam no sentido contrário do entendimento exposto por Lula no tocante à virtuose Congresso-Planalto.

Em 2004, descobriu-se que o encarregado de fazer a ponte entre o Congresso e a Casa Civil (Waldomiro Diniz) tentara extorquir dinheiro de um bicheiro; em 2005, descobriu-se que os partidos que compunham a base parlamentar haviam recebido mesadas sob a rubrica de financiamento de campanhas eleitorais em troca de integrarem a maioria governista; em 2006, descobriu-se que deputados e senadores recebiam propinas para apresentar emendas liberadas, em operação casada, nos ministérios.

Mas, para o presidente, tais ocorrências não parecem fazer parte de suas relações com o Poder Legislativo. Aconteceram por acontecer, porque sempre acontecem. E mais: já aconteceram em governos anteriores. Quer dizer, sendo o crime tradicional e compartilhado com antecessores, não é crime. Não deixa de ser uma maneira de ver as coisas.

Nessa visão peculiar do que sejam relações virtuosas com o Congresso, Lula citou como prova cabal “a tranqüilidade que tivemos (o governo) para agir”. Não se referia, é claro, à despreocupação com que a montagem da base de apoio adotou, ampliou e aprofundou os velhos vícios.

Isso, de fato, transcorreu com tranqüilidade até o momento das descobertas, das denúncias, das investigações, da defenestração compulsória de ministros e dirigentes partidários. O presidente, quando declarou sua satisfação com os primeiros quatro anos, estava falando da facilidade com que o governo conseguiu aprovar a primeira etapa das reformas e todas as propostas de seu interesse.

Não levou em conta, contudo, que isso não é sinal de “relações virtuosas”.

É fruto da subserviência conquistada a poder de fisiologismo. Isso da parte dos governistas. No que tange à oposição, a bonança deveu-se a uma decisão dos perdedores de colaborar porque, à falta de idéias próprias e melhores para defender, preferiram não abrir guarda à acusação de que estariam querendo “prejudicar o Brasil” e tampouco quiseram se arriscar a contrariar o homem de 52 milhões de votos.

Se virtude houve, não foi no relacionamento entre os dois Poderes. Foi produto da própria competência eleitoral do presidente que, pelo visto até agora no condicionamento da reforma ministerial à obediência dos partidos, caminha para repetir o ciclo. Vicioso, não virtuoso.

No Irajá

Razões para se criar uma CPI ou qualquer outra instância de investigação para esclarecer - já que o Executivo não o faz - a população sobre o que se passa mesmo no sistema de controle de vôos e esmiuçar bem esmiuçada a aplicação do dinheiro gasto na reforma dos aeroportos, sem que isso tenha tido correspondência com o serviço prestado aos passageiros, há de sobra.

Mas não se pode também tirar do governo a razão política de usar sua maioria parlamentar para barrar a CPI do apagão aéreo. Nada garante - e o histórico avaliza a dúvida - que a oposição esteja mesmo empenhada em esclarecer as coisas e não apenas interessada em ter nas mãos uma arma para fazer a batalha política que os partidos adversários têm se mostrado incompetentes para travar no campo parlamentar.

E assim, com o prolongado uso das CPIs para o exercício da baixa-política ou da alta-vigarice, as comissões de inquérito perderam sua motivação original de ser. Acabaram banalizadas e desmoralizadas.

Os deputados interessados em dar um “upgrade” no Legislativo poderiam integrar à lista de providências uma recauchutagem geral nos meios e modos de fiscalização do Executivo.

Multipesos

A Justiça de Nova York vê motivos para indiciar Paulo Maluf por remessa ilegal ao exterior de dinheiro proveniente de “saques aos cofres públicos”. Já o eleitorado que fez dele deputado não vê razão para reparos, nem a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara vê problemas em tê-lo (e mais outros tantos investigados) entre seus integrantes.

Como se vê, tudo na vida é uma questão de critério.

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