O Estado de S. Paulo |
23/3/2007 |
O senador Fernando Collor de Mello não é exatamente um santo da devoção do brasileiro. O ideal seria que nunca mais se precisasse falar - a não ser como referência de uma triste história - nesse personagem que virou símbolo da mistura do público com o privado e, por isso, terminou sendo afastado da Presidência da República. Há 15 anos ele renunciou ao cargo para não enfrentar o processo de impeachment já aprovado pela Câmara dos Deputados, depois que uma comissão parlamentar de inquérito demonstrou que o tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, comandava um esquema de arrecadação de propinas a partir do manejo da máquina pública e, com parte desse dinheiro, pagava despesas pessoais do presidente e de sua família por intermédio da conta bancária da secretária particular de Collor, Ana Acioli.Estabeleceu-se aí o vínculo direto e a quebra de decoro confirmada por documentos apresentados pelo motorista Eriberto França e reforçada com a montagem de uma farsa chamada Operação Uruguai, pela qual o então presidente pretendia justificar a origem de US$ 5 milhões como empréstimo feito no Uruguai. Collor foi absolvido no Supremo Tribunal Federal por conta de um processo mal instruído pelo Ministério Público e não porque a Justiça o tenha declarado inocente.O julgamento político é válido, legítimo e constitucional. Teve apoio da grande maioria da população e fartas demonstrações de que, a despeito de falha técnica, não se interrompeu o mandato de um presidente de conduta acima de qualquer suspeita.Foi sobre isso que o senador Pedro Simon falou quarta-feira na tribuna do Senado, ao repor os fatos em suas reais dimensões. Atitude indispensável, depois que Collor recebeu de seus novos colegas, na semana passada, grandes homenagens a um discurso em que se apresentou como vítima de uma tramóia embusteira engendrada por levianos e irresponsáveis, entre os quais se incluem quase todo o Congresso, os meios de comunicação, parte do Judiciário, entidades de representação social, profissional, religiosa e a maioria da população. Quinze anos depois, Fernando Collor pagou a conta e voltou à política eleito senador por Alagoas. É, como dizem seus pares, um senador tão senador quanto qualquer outro. É do jogo e é da lei.Isso, contudo, não lhe dá o direito de, do alto daquela postura marcial pesada e medida para intimidar o interlocutor, mandar que se calem todos os que o acusaram. O cumprimento da sanção não autoriza, sobretudo, o Brasil a entrar numa espécie de máquina do tempo para apagar um pedaço da História, transformar Fernando Collor em personagem de ponta na cena política e escutar em silêncio a descompostura geral passada por ele, praticamente exigindo escusas.Os salamaleques dirigidos a Fernando Collor de Mello pelos senadores e até pelo presidente da República têm muito a ver com a crise ética do PT que, de algoz, passou a alvo de acusações até mais graves que aquelas imputadas 15 anos atrás ao então presidente.Isso, por si só, não o absolve. Não lhe confere a prerrogativa de - para usar expressão inventada por Collor quando candidato, para desqualificar o então presidente José Sarney - se conduzir como “batedor de carteira da História” e dela subtrair um trecho pretendendo reescrevê-lo à imagem e semelhança da conveniência de seus planos políticos futuros. De resto promissores neste País sem memória.As mesuras e os rapapés alimentam ainda um mal maior: ajudam a confirmar na cabeça do cidadão comum a sensação de que a política é a arte do faz-de-conta, da mentira, do cinismo e da enganação. O protótipo Sobre a subserviência dos partidos a benesses da máquina pública em detrimento de convicções, o PDT acaba de dar um exemplo irretocável. Assinou o pedido de CPI do Apagão Aéreo e, se o fez, é de se pressupor que concorde com a necessidade de investigação e com a existência de fato determinado a ser apurado. Ato contínuo, porém, o partido orientou sua bancada a votar pelo arquivamento da comissão para não perder a vaga no Ministério da Previdência. Depois o presidente da República trata sua base parlamentar como mercadoria de ocasião, e os partidos não entendem o motivo de tanta humilhação. Credenciais No dia 11 de março, em entrevista ao Estado, o deputado Márcio Junqueira (PFL-RR) disse que recebeu do agora confirmado ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, a seguinte proposta: se aceitasse ir para o PR, teria acesso a cargos no ministério, a contratos de prestação de serviços e à liberação de emendas ao Orçamento. O deputado sustentou as acusações, conforme registro em e-mail do dia 13 de março. Como sua recondução ao ministério corrobora as afirmações de Márcio Junqueira, lícito concluir que Alfredo Nascimento já estivesse devidamente autorizado a usar das prerrogativas do cargo para cooptar deputados para o PR.
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Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, março 23, 2007
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