Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 16, 2007

Celso Ming - O peso do futuro




O Estado de S. Paulo
16/3/2007

O momento é de turbulência financeira externa, mas, contra a opinião dos mais pessimistas, o Banco Central passa o recado de que nada de especialmente errado está ocorrendo na economia mundial.

Em 3 dos 71 parágrafos da Ata do Copom, o Banco Central enfatizou que tudo não passa de uma ventania passageira: “Há consenso de que os abalos surgidos na Ásia são temporários e devem ser superados no curto prazo, porque a dinâmica da economia mundial, sobretudo nos Estados Unidos e na China, não dá sinais de que mudou significativamente neste final de fevereiro” - está dito no parágrafo 60.

O pano de fundo desse diagnóstico é o de que o ambiente de farta liquidez em que esses solavancos acontecem não tem a ver só com a atuação dos bancos centrais dos países ricos que despejaram dinheiro nas economias (juros baixos). Tem a ver com forte aumento da poupança internacional, fenômeno relativamente novo. É o futuro pesando no presente. Confira quatro fatores:

(1) Enorme crescimento asiático - A China está poupando nada menos que 45% de sua renda nacional, que, por sua vez, cresce acima de 10% ao ano. E a China não está dançando sozinha essa polca. O padrão asiático de poupança é normalmente superior a 30% do PIB. E nessa tarefa estão Taiwan, Coréia do Sul, Malásia, Índia, Tailândia e Cingapura. É uma dinheirama criada diariamente que sai à procura de ativos em que aplicar.

(2) Lucros das grandes corporações - Também cresce o resultado das empresas globais e esse lucro não está sendo distribuído e reinvestido na mesma proporção com que vai sendo criado. São recursos que giram à procura de rentabilidade.

(3) Reservas para aposentadoria - Os fundos de pensão e as aplicações para complementação de aposentadoria não se multiplicam apenas nos países ricos. Aumenta a percepção entre o trabalhador comum de que já não pode confiar nos benefícios futuros proporcionados pelos sistemas previdenciários patrocinados pelo Estado. Isso está levando as classes médias a canalizarem parcelas maiores de sua renda para defender o futuro. O patrimônio dos fundos de pensão dos Estados Unidos já é de US$ 12,5 trilhões. Na Europa, de US$ 3,4 trilhões e na Ásia, US$ 1,3 trilhão.

(4) Preços contidos - Esse aumento da poupança mundial está sendo favorecido por uma inflação baixa e constante, o que dá mais consistência às previsões e encoraja os investimentos.

O resto da história é conhecido. Como o volume de ativos seguros cresce menos do que a poupança mundial e possui oferta limitada, sua rentabilidade vai sendo achatada e empurra os aplicadores ao risco. E chega o dia em que o contorcionismo financeiro pede ajuste, como agora.

Um exemplo é o das operações de carry trade dos bancos japoneses. São recursos emprestados a juros baixos (ao redor dos 3% ou 4% ao ano) para tomadores que depois usam esse dinheiro para engordar com compra e venda de ações. Os maiores fornecedores de fundos aos bancos japoneses que operam no carry trade são pequenos poupadores preocupados com seu futuro.

Mas chega a hora em que o mercado percebe que os preços dos ativos de risco ficaram altos demais e o ajuste acontece. Mas a poupança continua crescendo, a liquidez continua alta e os ativos seguros continuam limitados.


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