O Estado de S. Paulo |
21/3/2007 |
Algumas agências de notícias informaram ontem que o governador do Banco do Povo da China (banco central), Zhou Xiaochuan, fez duas afirmações de enorme importância: (1) que parte das atuais reservas de US$ 1,07 trilhão será vendida; e (2) que a China não pretende seguir na tarefa de empilhar reservas externas. O primeiro ponto deve ser entendido como interesse na diversificação. Talvez pretenda comprar mais títulos amarrados ao euro e ao iene japonês; ou investir em ativos de países emergentes; ou comprar minas, poços de petróleo e portos no exterior, como já vem fazendo. Se o segundo ponto for confirmado, o impacto sobre a economia mundial será enorme. Tendo em vista a gravidade dessas informações, os analistas internacionais preferiram esperar por alguma comunicação mais detalhada. “Talvez Zhou não tenha sido bem entendido” - despachou ontem o portal da Forbes. Ainda assim, por conta disso, o dólar caiu ontem diante do euro e do iene. Pelo sim ou pelo não, vale a pena entender o que isso significaria porque, claro está, a China não pode sustentar indefinidamente a atual política. Mais dia menos dia terá de engatar uma marcha reduzida ou parar de uma vez. Reservas superiores a US$ 1 trilhão já não fazem sentido, especialmente quando se leva em conta que estão aplicadas preponderantemente em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, portanto em dólares, moeda com boa probabilidade de desvalorização. Como não há muita opção de compra de ativos fora do dólar, é difícil entender como a China seguiria enchendo o cofre à proporção de US$ 20 bilhões por mês. Mas o anunciado tem conseqüências. Em primeiro lugar, a menos que os chineses aumentem as importações na mesma proporção (o que é improvável), esses US$ 20 bilhões acabariam sobrando no câmbio chinês, o que provocaria valorização da moeda local, o yuan. Nesse jogo, dificilmente os mercados deixariam de fugir do dólar, como ontem pareceram ensaiar. Em segundo lugar, conforme os chineses deixassem de comprar US$ 20 bilhões mensais em títulos do Tesouro americano, a atual simbiose entre Estados Unidos e China tenderia a ser desmontada. Por meio dela, os Estados Unidos importam US$ 233 bilhões por ano (2006) da China a mais do que exportam e a China incorpora essa sobra nas reservas com a compra de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, dívida cuja função é cobrir o rombo orçamentário americano. Fechando o ciclo, conforme a China financia o déficit americano, os Estados Unidos importam produtos chineses em proporção bem mais alta do que exportam. Se esse arranjo começasse a ser desfeito, a economia mundial teria de se recompor. Os Estados Unidos, por exemplo, teriam de achatar seus dois megadéficits (o orçamentário e o comercial) e a China, com aumento zero de reservas, teria de escoar mais produção para o mercado interno. Pode-se contra-argumentar que tanto Estados Unidos como China tiram proveito dessa dependência mútua, o que tornaria difícil o desmanche da simbiose. Mas a situação é insustentável a longo prazo. Um dia algum acerto formal terá que ser concluído. Ou as mudanças poderão vir naturalmente, da mesma forma como esse esquema foi armado.
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Entrevista:O Estado inteligente
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