Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 14, 2007

Casa própria e caso de polícia



Artigo - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
14/3/2007

Como em outras bolhas, suspeita de crime financeiro ronda a crise imobiliária nos EUA; Bolsas voltam a azedar

A RUÍNA de parte do mercado imobiliário americano ainda não abalou as bases do resto das finanças, se é que vai fazê-lo, mas reproduz, por ora em caricatura, a história dos estouros de outras bolhas. Produz o efeito óbvio de reduzir o patrimônio e a inclinação de consumir do americano, que antes utilizava seu imóvel supervalorizado como garantia para empréstimos. Mas também começa a dar em quebras suspeitas e em outros casos de polícia, por assim dizer.
O Bear Stearns e o UBS foram intimados pela Justiça a explicar suas avaliações recentes e estranhamente positivas de uma financeira imobiliária que está para quebrar, a New Century, que ontem foi colocada para fora da Bolsa de Nova York. Como no estouro da bolha pontocom (2000-2001), suspeita-se que analistas recomendavam o investimento em empresas podres, mas que rendiam negócios para o banco em que trabalhavam.
A New Century fazia empréstimos imobiliários para clientes de segunda linha. Está sendo investigada pela SEC (agência federal de supervisão do mercado) e pelo governo, não se sabe bem o motivo, embora a empresa já tenha reconhecido erros de centenas de milhões de dólares em seus registros. Está à míngua. Os bancos desistiram da ciranda.
Financeiras imobiliárias, de fundo de quintal a grandes, dizem que estão sufocadas. Grandes bancos emprestam dinheiro para as financeiras e compram seus empréstimos, que são transformados em títulos e vendidos como um investimento, que rende os juros da prestação imobiliária. Com a crise do calote das prestações, os bancos cortaram o crédito. Pior, têm o direito de obrigar as financeiras a recomprar os créditos imobiliários. Sem dinheiro, as financeiras quebram às dezenas.
Ontem, saiu um dado até outro dia obscuro e quase ignorado pelo mercado financeiro em geral: o balanço do calote imobiliário, que cresceu no último trimestre de 2006. Mas essa foi a causa da ressurgência do paniquito financeiro nas Bolsas? Soube-se ontem também que as vendas no varejo dos EUA estagnaram em fevereiro. Mas o número pode ser apenas "sazonal" (o frio espanta o consumidor) e, faz um mês, tal indicador não renderia emoções. Qual o efeito da crise imobiliária?
No "mundo real", a economia em desaceleração e o furo da bolha derrubam o número de casas vendidas, o que afeta indústria e serviços. Em tese, entra mais areia na máquina econômica, no lucro das empresas e, por tabela, isso afeta suas ações.
Nos EUA, pode-se abrir uma linha de crédito baseada no valor da casa própria e sacar o dinheiro quando necessário, com cheques ou cartão.
A alta no valor dos imóveis e juros baixos levaram muito americano a tomar empréstimos garantidos por imóveis. Refinanciavam dívidas, usavam o dinheiro em consumo ou em investimentos. A desvalorização das casas reduz suas disponibilidades financeiras e seu consumo.
O calote imobiliário, por sua vez, detona investimentos. Quem comprou títulos imobiliários e ações de financeiras perde dinheiro. Perdem dinheiro fundos de "hedge", bancos e seguradoras que venderam instrumentos financeiros de proteção ao risco de calote no título imobiliário ("credit default swaps", CDS).

vinit@uol.com.br

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