Artigo |
O Estado de S. Paulo |
13/3/2007 |
A segunda visita do presidente Bush, em poucos meses, e a de Lula aos EUA, no final do mês, oferecem uma excelente oportunidade para analisar alguns aspectos da inserção externa do Brasil e dos objetivos da política externa brasileira. Um dos grandes desafios atuais para o Brasil, no plano externo, é o de ajustar as linhas de sua ação política, com uma visão de médio e longo prazos, às novas realidades do cenário internacional e regional, num mundo em rápidas e profundas transformações. O governo brasileiro, a partir de uma visão de mundo equivocada, identificou e definiu seu reposicionamento na ordem mundial dando prioridade ao relacionamento com os países em desenvolvimento do Sul. Nos últimos quatro anos e até 2010, as prioridades do Brasil na área externa foram e continuarão a ser as relações Sul-Sul, com prioridade para a América do Sul e a África, segundo declarações do ministro Celso Amorim. Essas prioridades - importantes e que devem continuar a ser perseguidas - não têm levado e não levarão, contudo, o Brasil a aproveitar plenamente as oportunidades que se apresentam em decorrência do cenário externo positivo, do expressivo crescimento da economia mundial e do comércio exterior, puxados por EUA e China. Os resultados excelentes das exportações brasileiras parecem confirmar o acerto da política externa, mas, na realidade, disfarçam perdas de espaço nos mercados mais maiores e mais dinâmicos do mundo. O imobilismo de parte dos governos e do setor privado dos dois países é responsável pelas oportunidades perdidas, sobretudo do lado brasileiro. O extraordinário dinamismo da economia norte-americana não foi aproveitado, ao contrário do que fez a China. Nos últimos 15 anos, os EUA cresceram 3% em média e seu mercado importador alcançou em 2006 mais de US$ 1,9 bilhão. Apesar de ser uma economia aberta (68% dos produtos importados entram com tarifa zero), nossas exportações cresceram a taxas reduzidas e ainda foram prejudicadas pelas barreiras protecionistas impostas pelos EUA. As viagens ressaltam convergências, mas não ajudam a eliminar as divergências entre os dois países. A agenda multilateral tem gerado tensões, levando em conta a diferença dos interesses e, muitas vezes, de enfoque em temas globais, como meio ambiente, direitos humanos, terrorismo, reforma da ONU e a busca de um assento permanente no Conselho de Segurança. Nas negociações comerciais multilaterais, regionais e bilaterais nem sempre as posições do Brasil e dos EUA convergem. Os atritos na área comercial e os desencontros de posições negociadoras são vistos por Brasília e por Washington, corretamente, como parte do jogo e não tendem a ferir suscetibilidades ou a despertar maiores reações. Washington vê o Brasil - e o presidente Lula - como um fator moderador numa região dividida por crescente antiamericanismo de parte de alguns países, como Cuba, Venezuela e Bolívia. As autoridades norte-americanas consideram excelentes as atuais relações bilaterais e declaram retoricamente seu interesse em cooperar e aprofundá-las. O Brasil é visto como “uma potência regional prestes a se tornar uma potência mundial”, como declarou Condoleezza Rice, talvez no contexto de uma ofensiva de charme, que certamente agradou a Brasília. As visitas do presidente Bush e de Lula reforçam essa percepção, com o pleno endosso do governo do PT, e, colocadas em perspectiva histórica, serão vistas como mais simbólicas do que concretas em termos de resultados. Com reduzido apoio interno, Bush tem pouca capacidade de fazer qualquer concessão em termos de comércio, como ficou evidenciado na recusa de examinar a eliminação de medidas restritivas que afetam produtos brasileiros, como o etanol. No início do segundo mandato de Lula, não é realista prever uma modificação significativa de curso na política externa. Na ausência de uma atitude proativa do Brasil, os EUA propuseram e começa a esboçar-se uma agenda positiva, com foco na energia. O tema é de interesse tanto dos EUA, pela prioridade de Washington em diversificar suas fontes de suprimento energético e reduzir sua dependência do petróleo, quanto do Brasil, como um dos principais países no mundo com capacidade de ampliar sua produção de energia renovável. Os resultados dessas visitas ficarão visíveis a médio prazo, na medida em que os dois governos derem continuidade às decisões tomadas pelos dois presidentes ao final dos encontros no Brasil e nos EUA, no fim do mês, quando o presidente Lula for a Camp David, repetindo FHC. Sem alterar a linha central da política externa, contudo, alguns sinais positivos podem ser notados na retórica oficial em relação às economias desenvolvidas, em especial ao maior e mais dinâmico mercado global, os EUA, colocadas, até aqui, em segundo plano. Noticiou-se que o ministro Celso Amorim teria classificado como mito as afirmações de que o Brasil passaria a dar mais ênfase às relações com os EUA e a Europa. “Não sei quem criou esse mito”, acrescentando que isso “é preocupação de embaixadores aposentados.” Mais recentemente, depois da grande exposição da política externa na mídia e no Congresso, e sensibilizado pela movimentação positiva do governo de Washington, Amorim teria declarado que o Itamaraty está buscando a “criação de uma relação renovada” e “mais íntima” com os EUA. A visita de Bush ajudou o governo brasileiro a ampliar o relacionamento com os EUA. Essa evolução é bem-vinda e não pode, nem deve, ser considerada como subserviência aos EUA, como é classificada injustamente pelo governo a atitude dos que defendem exatamente essa “renovação” na política externa. Afinal, todos nós estamos procurando defender o interesse nacional, cada um com sua visão de mundo. Espera-se que, a partir desse ajuste, ainda retórico, medidas mais pragmáticas prevaleçam na formulação da política externa e da negociação comercial.
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Entrevista:O Estado inteligente
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