Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

A voz do dono Ricardo Noblat

A voz do dono

Artigo -
O Globo
12/2/2007

Lula estragou a festa que celebrou na Bahia o 27ºaniversário do PT. Ao invés de exaltar o partido e homenagear os que o ajudaram a se reeleger, tratou os companheiros como um bando de irresponsáveis que só fazem brigar. Confundiu adversários com inimigos. E quase lamentou não ter maioria no Congresso para governar com poderes especiais.

A ocasião pedia que Lula fosse carinhoso com aquela gente que há tanto tempo sua a camisa por ele. Divergências são fatos naturais em qualquer lugar - tanto mais em um partido. Tudo bem que distribuísse conselhos para evitar a repetição de desastrosos erros recentes. Mas por fim que destacasse a trajetória de sucesso do partido para que todos fossem embora dali se sentindo bem. Não foi o que fez. Esqueceu a parte boa da história do PT e atirou na parte que acha ruim - como se nada tivesse a ver com ela.

Vestiu o modelito Pai-Patrão e disparou. "Vamos fazer as nossas disputas internas, mas não vamos perder de vista quem são os inimigos, ou eles nos destruirão"". Encaixou: "Por que a gente não sabe levantar a metralhadora para atingir os inimigos e atiramos tanto no nosso próprio pé? Se a gente levanta a metralhadora na altura do peito, a gente acerta o adversário. Mas adoramos acertar em nós mesmos"". Como se adversários políticos devessem ser tratados como inimigos. Em uma democracia, são apenas adversários.

Bateu mais duro ainda: "Muitas vezes os chamados quadros políticos deste partido na hora da crise política tremeram, vacilaram, não tomaram as decisões corretas. Quem não tremeu e não vacilou foi o povo. O povo pobre deste país não desconfiou do PT" (Onde se leu: "Não desconfiou do PT", leia-se: Não desconfiou dele, Lula.). Então jogou uns contra os outros: "As vacilações que tivemos eram porque a gente gostaria que fosse verdade que o companheiro tivesse cometido o erro que a imprensa dizia que ele havia cometido".

Em seguida, quase traiu o DNA autoritário que esconde a muito custo: "Se eu tivesse maioria absoluta (no Congresso), eu teria decreto supremo, mas tenho que governar com medidas provisórias que vão ao Congresso e até podem ser derrotadas". (Foi uma alusão aos poderes legislativos que o Congresso da Venezuela transferiu para o presidente Hugo Chávez.) Por fim, corrigiu-se em tempo hábil: "O exercício da democracia é mais complicado, mas é melhor, porque dá mais consistência à sociedade brasileira".

Lula quer distância do PT. Ou melhor: Lula quer o PT por perto desde que ele se comporte como um serviçal. Em 2002, quando se elegeu pela primeira vez, disse a José Dirceu, Luiz Dulci, Luiz Gushiken, Antonio Palocci e Gilberto Carvalho, reunidos em um hotel de São Paulo: "Jamais esqueçam que somente eu tive votos - eu e o José Alencar". Desde que se reelegeu, está convencido de que só deve o segundo mandato ao povão. E que o PT deve a ele, Lula, a eleição dos seus governadores, deputados e senadores.

Apenas uma coisa lhe interessa daqui para a frente: fazer um bom segundo governo e entrar para a História. Se puder, acabará com a reeleição para cargos executivos - afinal, sempre se disse contra ela e essa é uma boa desculpa. Quer ter um candidato que possa, na eleição presidencial de 2010, defender o que ele fez em oito anos. Mas não precisa ser um candidato tão forte assim a ponto de lhe suceder. Não. Se a oposição emplacar José Serra ou Aécio Neves, paciência. Foi o povão que quis.

Em 1989, o povão quase quis eleger Lula, candidato a presidente, para ajudar o PT a se firmar como partido. Em 1994, estava certo de que venceria - mas o povão preferiu o real e elegeu quem tinha a cara dele. Dali a quatro anos, Lula foi candidato outra vez só para impedir que o PT lançasse um novo nome capaz de disputar a eleição seguinte. Perdeu em 1998 para ganhar em 2002. Em 2010, somente o PT poderá perder - ele não. Em 2014, talvez somente ele possa ganhar pelo PT.

Arquivo do blog