O Estado de S. Paulo |
12/2/2007 |
Os jornais perdem leitores em todo o mundo. Consultorias, seminários e relatórios, aqui e lá fora, procuram, obstinadamente, explicações para o fenômeno. Televisão e internet são, freqüentemente, os bodes expiatórios. Os jovens estão “plugados” horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é só a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual. A perplexidade do setor é gigantesca. Mas os equívocos estratégicos são ainda maiores. Os jornais, erradamente, pensam que são meio de comunicação de massa. E não são. Daí derivam providências fatais: a absurda imitação da televisão, a incapacidade para dialogar com a geração dos blogs e dos videogames e o alinhamento acrítico com os modismos politicamente corretos. Esqueceram que os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de produtos de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços - estratégias convenientes e necessárias -, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na TV ou na internet. Ele quer informação de qualidade: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar decisões. O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu encanto. Está, freqüentemente, dominado pela fofoca e pelo espetáculo. Não tem notícia, mas sobra suposição sem fundamento e documentação. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência. Políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das idéias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida. Por isso, uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes. Não se pode permitir que políticos e suas assessorias de comunicação definam a agenda das coberturas jornalísticas. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. Na prática, não obstante a teoria da agenda-setting (Maxwell McCombs e Donald Shaw, formuladores da hipótese, afirmam que o debate público é determinado pelas pautas dos jornalistas) atribuir à imprensa uma influência decisiva na determinação da agenda do público, tal poder, de fato, passou a ser exercido pelos políticos. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório. Outros riscos ameaçam a qualidade da cobertura jornalística. Sobressai, entre eles, o perigo da instrumentalização da imprensa. Os protagonistas do teatro político não medem esforços para fazer com que a mídia, à sua revelia, destile veneno nos seus adversários. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. A sociedade quer um quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar um perfil dos homens públicos: seus antecedentes, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais e anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço. Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Precisamos falar do futuro, dos projetos e dos planos de governo. Mas precisamos também falar do passado, das coerências e das ambigüidades. A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são importantes demandas da sociedade. Nosso compromisso não é com as celebridades, mas com a verdade, com a informação bem apurada e com os leitores. E nada mais. Só uma séria retomada na qualidade informativa garantirá a fidelidade dos antigos leitores e a conquista de novos. Precisamos mostrar que o jornal continua sendo útil, importante, um aliado na aventura da vida. |
Entrevista:O Estado inteligente
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