Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Não conserta o desconserto Luiz Carlos Bresser Pereira




Folha de S. Paulo
12/2/2007

Hoje, a indústria brasileira está condenada à quase estagnação. Infelizmente, o PAC não resolverá o problema

O DRAMA econômico brasileiro está presente no debate entre os representantes da ortodoxia convencional entrincheirados no Banco Central e o restante do governo, que aposta no PAC.
De um lado, temos a dependência, a subordinação a uma ortodoxia convencional vinda do Norte que fala em nome da estabilidade macroeconômica, mas mantém um câmbio não-competitivo e uma taxa de juros alta, incompatíveis com essa estabilidade.
Do outro, o velho nacional-desenvolvimentismo, que supõe que os problemas brasileiros se resolverão quando o Estado voltar a planejar e lograr implantar uma política industrial, como havia nos anos 1970.
Nenhum dos dois grupos tem realmente uma proposta para o Brasil. O primeiro grupo está no poder desde o segundo ministério Collor (1991), e o fracasso de sua proposta está hoje claro para todos. Seu grande sucesso -o Plano Real (1994)- foi seu momento de heterodoxia, de pensamento autônomo e inovador, esquecido no ano seguinte. O segundo grupo acaba de chegar ao poder, e provavelmente percebe a insuficiência do PAC, mas, como o presidente insiste em manter a política macroeconômica equivocada, faz sua aposta no passado.
O PAC é uma boa iniciativa visando coordenar as ações do governo no plano dos investimentos públicos e privados. O objetivo é elevar a taxa de investimento para 25%, que permitiria ao país crescer cerca de 5% ao ano. O método consiste na administração dos investimentos governamentais e num conjunto de estímulos fiscais aos investimentos privados. Conforme afirmou Benjamin Steinbruch em sua coluna, o PAC, "apesar de todas as ressalvas, é um criador de boas expectativas".
Entretanto o PAC não enfrenta o problema central da economia brasileira, que é a falta de estabilidade macroeconômica, não conserta o desconserto representado pela política de altos juros e câmbio baixo do Banco Central. Só uma política novo-desenvolvimentista, baseada no ajuste fiscal e na desvinculação dos juros pagos pelos títulos públicos da taxa de juros de curto prazo decidida pelo Copom, e completada por uma administração mais proativa da taxa de câmbio, levará o Brasil a alcançar a estabilidade macroeconômica necessária ao desenvolvimento econômico.
Na última semana, o debate dentro do governo, diante da contínua apreciação do real, que ameaça cair abaixo de R$ 2, mostrou o vôo curto do PAC e a perversidade da ortodoxia convencional. Dada a taxa de juros real astronômica que é imposta aos títulos públicos, o Banco Central não pode intervir comprando no nível necessário na taxa de câmbio.
Esta, por sua vez, tende a se manter sobreapreciada devido à taxa de juros elevada que atrai capitais, à política de crescimento com poupança externa e, principalmente, à doença holandesa. Esta última pressiona a taxa de câmbio para baixo, na medida em que a produção de bens usando recursos naturais abundantes e/ou mão-de-obra barata é rentável com uma taxa de câmbio menor do que a necessária para o crescimento.
A taxa de câmbio decorrente garante as exportações de produtos primários e de bens produzidos por uma indústria que vai se transformando em "indústria maquila", que se limita às tarefas com baixo conteúdo tecnológico e baixo valor adicionado per capita. Fica, assim, impossibilitado o desenvolvimento que exige a transferência de mão-de-obra para indústrias com maior valor adicionado per capita, que, para serem viáveis, exigem uma taxa de câmbio não prejudicada pela doença holandesa.
A ortodoxia convencional reinante, naturalmente, ignora esses fatos. Desconhece a enorme falha de mercado que é a doença holandesa e continua a crer que o mercado equilibra de forma correta a taxa de câmbio. O nacional-desenvolvimentismo também ignorava a doença holandesa, mas a combatia sem saber ao defender a proteção tarifária. Hoje, a indústria brasileira, sem a "proteção" tarifária ou cambial que lhe garanta uma taxa de câmbio verdadeiramente de equilíbrio, está condenada -e, com, ela toda a economia brasileira- à quase estagnação. O PAC, infelizmente, não resolverá o problema.

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