Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Vida de Menina, de Helena Solberg

Um diamante redescoberto

Vida de Menina traz de volta à luz uma das melhores
obras literárias do Brasil do século XIX


Isabela Boscov

Fotos divulgação
Ludmila, como Helena Morley: tagarelice cheia de inteligência e de perspicácia

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Trailer do filme

Filha de pai inglês e de mãe mineira, esta de família muito católica e tradicional, Alice Dayrell Caldeira Brant escreveu, entre 1893 e 1895 – mais ou menos dos seus 13 aos 15 anos – um diário. Nele, descrevia seus afazeres do dia-a-dia na cidade de Diamantina e lhes ajuntava comentários marotos. Por exemplo, sobre o escândalo que a paixão de seus pais causava entre as tias, que não haviam tido a sorte de escolher o próprio marido. Ou sobre a avareza dos parentes ricos, que desdenhavam da teimosia de seu pai em catar diamantes nas lavras quase esgotadas. Alice se surpreendia que o lado brasileiro da família visse o trabalho como coisa de negros – mas tinha como normal que os ex-escravos continuassem agregados à casa de sua avó, a qual se queixava de que o 13 de Maio libertara todo mundo, "menos ela". Falava das amigas, dos vizinhos, do padre e dos professores, numa tagarelice vivaz e cheia de inteligência que, lida, quase que se pode ouvir. Essa voz inconfundível e essa argúcia são algumas das qualidades que fazem de Minha Vida de Menina, a versão desse diário publicada em 1942 (sob o pseudônimo Helena Morley), um dos títulos cruciais da literatura brasileira – na opinião do crítico Roberto Schwarz, comparável, na produção do século XIX, apenas à obra de Machado de Assis. A poeta Elizabeth Bishop concordaria: fascinada pelo livro, ela tomou a iniciativa de traduzi-lo para o inglês, nos anos 50.

Alice Dayrell, a autora: toda Diamantina em um caderno

Em 2005, o diário de Helena Morley ganhou uma adaptação cinematográfica que teve passagem brevíssima pelos cinemas. Dirigido por Helena Solberg, com Ludmila Dayer encantadora como a protagonista, Vida de Menina – que sai agora em DVD – incorre numa realização algo amadora. Nem todos os atores se entendem com a câmera, e alguns diálogos mais se esvaem do que propriamente terminam. Mas, de certa forma, isso contribui para a graça do filme. Helena Morley escreveu com a inconseqüência que as garotas costumam dedicar aos seus diários, sem ter nenhum fim mais "importante" em vista do que o de papear consigo mesma e anotar pensamentos que, quando formulados em voz alta, lhe rendiam reprimendas. É provável que, se enxergasse alguma posteridade no seu caderno, Helena tivesse tentado enfeitá-lo ou torná-lo menos episódico, roubando-lhe a franqueza e a perspicácia. Essa é a virtude que, com seu jeito também ele muito despretensioso, a diretora soube preservar, e pela qual deve ser prestigiada. Por isso, e por trazer de volta à luz uma leitura tão rica e prazerosa que, se fosse obrigatória no currículo escolar, talvez convertesse alunos aos livros com a mesma eficiência com que outros supostos clássicos os afastam deles.

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