Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um implacável competidor


editorial
O Estado de S. Paulo
12/2/2007

A notícia de que a China superou a Argentina como o segundo maior fornecedor do Brasil apenas confirma aquilo que os números do comércio exterior brasileiro e do extraordinário avanço dos produtos chineses no mercado mundial vinham anunciando há algum tempo. Não houve surpresa. No resultado final do ano passado, a Argentina ainda estava à frente da China nas exportações para o Brasil (US$ 8,1 bilhões contra US$ 7,9 bilhões), mas na soma das vendas do período de 12 meses encerrado em janeiro as posições se inverteram. A vantagem da China ainda é pequena (US$ 8,28 bilhões contra US$ 8,19 bilhões), mas ninguém duvida de que, doravante, ela só crescerá.

Nos primeiros anos desta década, as exportações brasileiras para a China cresceram num ritmo muito intenso. Depois de registrarem em 2000 uma expansão de 60,5% em relação a 1999, nossas vendas para aquele país cresceram 75,3% em 2001, 32,5% em 2002 e 79,8% em 2003. Desde então, vêm se expandindo de 20% a 25% por ano, um ritmo ainda muito acelerado, mas nossas importações da China agora crescem bem mais depressa. Depois de um desempenho fraco em 2001, quando aumentaram apenas 8,1% em relação ao ano anterior, as exportações da China para o Brasil cresceram 17% em 2002, 38,2% em 2003, 72,8% em 2004, 44,3% em 2005 e 49,2% em 2006.

Além de já ter elevado a China à posição de segundo maior fornecedor do Brasil (atrás dos Estados Unidos), tal desempenho inverterá o sinal no saldo do comércio bilateral. Até agora, no acumulado de 12 meses, o saldo tem sido favorável ao Brasil. Mas é apenas uma questão de tempo o surgimento de déficit na nossa balança bilateral. Desde outubro do ano passado os resultados mensais têm sido favoráveis à China. Em janeiro, o déficit brasileiro foi de US$ 243 milhões.

Essa mudança na balança bilateral não teria maior relevância se decorresse apenas de circunstâncias normais do comércio entre os dois países. Mas o relacionamento entre Brasil e China, na gestão Lula, é fortemente marcado por um viés político que tem muito pouco a ver com as regras e as condições de comércio.

Com um açodamento injustificável, o governo brasileiro reconheceu a China como economia de mercado, o que nenhum país importante no comércio mundial ainda havia feito, esperando, como contrapartida, o apoio do governo de Pequim a várias postulações da diplomacia brasileira nas negociações internacionais. Mas a China tem seus próprios interesses, que na maior parte dos casos não coincidem com os do Brasil - e os defende acirradamente, às vezes até em desacordo com as regras internacionais.

Como afirmou o ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China Roberto Abdenur, em entrevista à revista Veja, ao reconhecer a China como economia de mercado o Brasil abriu mão do uso de mecanismos de defesa contra certas práticas comerciais chinesas e tornou inevitável o rápido crescimento das exportações daquele país para cá. “O prejuízo é inevitável”, afirmou Abdenur.

Até mesmo em setores industriais nos quais o Brasil já demonstrou condições de competir em escala mundial, como o de autopeças, a presença de produtos chineses já afeta os fabricantes do País. A Ford argentina, que tem grande presença no mercado brasileiro, decidiu comprar de fornecedor chinês o que antes comprava de uma indústria instalada no Brasil. A razão é o preço, 30% menor no caso do produto chinês, como mostrou reportagem do Estado na terça-feira. Montadoras instaladas no Brasil também vêm aumentando a utilização de autopeças chinesas. No ano passado, a importação de autopeças da China aumentou 55,5%, enquanto as exportações brasileiras para aquele país cresceram apenas 13,3%.

Os produtos brasileiros já vêm perdendo espaço para os chineses em mercados importantes, como o dos EUA e da União Européia. A perda tem sido mais visível no caso de produtos manufaturados. Agora, com as facilidades para a entrada de produtos chineses, perdem espaço também no mercado doméstico.

Em vez de se transformar no aliado com que contava o governo Lula, a China apenas está mostrando o que de fato é: um temível e implacável competidor.

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