Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 04, 2007

Suely Caldas O fórum-Babel


O governo está numa sinuca de bico. Tem consciência da necessidade de uma reforma da Previdência. Porém, por temer que o impacto impopular das mudanças prejudique a imagem política do presidente Lula e do PT, transfere a responsabilidade para terceiros. E que terceiros... Justamente aqueles que rejeitam a idéia de mudar a Previdência. Com centrais sindicais de trabalhadores, entidades empresariais e cinco Ministérios compondo o fórum para discutir o tema a partir do nada, de nenhuma proposta prévia, concreta e relevante para o debate, Lula sabe que não vai chegar a lugar algum. Escolheu o caminho da contramão, todos trombando entre si sem sair do lugar.

É uma espécie de reedição da Torre de Babel - aquele episódio da Bíblia em que Deus castigou os súditos que ambicionavam construir uma torre que os levasse aos céus. O castigo foi o caos, a confusão geral, todos passaram a falar línguas diferentes, nenhum entendia o que o outro dizia. No caso, o fórum-Babel não será obra de castigo divino, mas o retrato da imprevidência de um governo que sabe ser indispensável mudar as regras para garantir a sobrevivência do sistema, mas se omite e remete o problema para não resolvê-lo, porque entrega a decisão a quem cultiva a discórdia, não gosta de mudar, não abre mão de opiniões preconcebidas e já provou não se entender.

Então, não foi isso que aconteceu com o Fórum Trabalhista no primeiro mandato de Lula? O governo e as centrais sindicais de trabalhadores e empregadores conseguiram construir algum consenso para mudar a septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)? Claro que não, a reforma trabalhista empacou, não andou, ali se falavam múltiplas línguas. Como na Torre de Babel da Bíblia, ninguém se entendia. Por que repetir o erro? Se o Fórum da Previdência tem seis meses para concluir uma proposta de consenso, o trabalhista também tinha prazo definido, que foi prorrogado e prorrogado até completar quatro anos sem nada produzir. Finalmente, em recente entrevista à TV Bandeirantes, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, deu o veredicto final: não consta dos planos do governo mudar as leis trabalhistas. Alguém duvida que será também esse o desfecho da reforma da Previdência?

Sem dúvida, foi uma boa iniciativa do Ministério da Previdência separar as contas do INSS, identificar quem contribui (trabalhadores urbanos) e quem não paga (a grande maioria dos rurais), quanto é gasto com benefícios assistencialistas (auxílio-doença, etc.) e quem são as entidades filantrópicas com direito à isenção da contribuição previdenciária. Serve para discutir, por exemplo, se é socialmente justo ou não isentar clubes de futebol hoje enquadrados no rol das filantrópicas. A transparência dos números é também fundamental para a sociedade entender que a aposentadoria rural carrega um déficit de R$ 28,5 bilhões porque o homem pobre do campo não precisa contribuir para o INSS para ter o benefício. Basta mostrar no posto do INSS as mãos calejadas da enxada e um documento do sindicato rural para passar a receber R$ 350 mensais. Trata-se de um programa de renda mínima (bem-sucedido, porque efetivamente reduziu a pobreza no Norte e no Nordeste), como é o Bolsa-Família, e que a Constituição de 1988, erroneamente, pôs na conta do INSS.

Mas tirar as despesas não-previdenciárias do INSS e transferi-las para o Tesouro ou para os Ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social não reduz em nada o megadéficit - R$ 42 bilhões em 2006 - de R$ 47 bilhões projetados para 2007 e que neste governo saltou de 1,2% para 1,9% do PIB. De nada adianta o presidente Lula protestar em tom de repreensão: “Não me venham falar de déficit da Previdência.” É zero o efeito sobre o enorme desequilíbrio financeiro, que, nos últimos quatro anos, roubou recursos que poderiam ser aplicados em investimentos e gerar crescimento, emprego e renda.

Ao transferir para os sindicatos a decisão sobre a proposta que será enviada ao Congresso, o governo marcha também na contramão dos seus próprios interesses políticos. O tiro pode sair pela culatra, porque a cada debate frustrado no fórum e a prorrogação indefinida da decisão podem levar o governo a colher crescentes desgastes políticos e descrédito junto a investidores e agentes do mercado financeiro, que o ministro Guido Mantega tentou acalmar na semana passada, em Londres, prometendo uma reforma da Previdência.

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