Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 04, 2007

Mailson da Nóbrega Pensar na próxima geração


Winston Churchill definiu estadista como 'aquele que pensa na próxima geração'. O oposto seria, então, quem pensa na próxima eleição ou na próxima pesquisa de opinião.

Conforme seja o ângulo do observador, Lula se encaixa numa ou noutra dessas definições. Depende da interpretação dada ao seu discurso em Davos, quando se mostrou despreocupado com o déficit previdenciário, cujo rombo, disse, é de responsabilidade do Tesouro e não da Previdência. Conclusão: não há necessidade de reforma.

Muita gente pensa como o presidente. Uns consideram relevante mudar o lugar onde se contabiliza o déficit. Outros negam o próprio déficit, imputando-o aos vários tipos de renúncia fiscal. Muitos sustentam que a solução é crescer mais, o que não agride a aritmética, mas é difícil de obter sem reformas que melhorem o ambiente para aumentar o investimento privado e a produtividade total dos fatores de produção.

É verdade que o déficit, como diz Lula, decorre da inclusão, como beneficiários, de idosos que não contribuíram para a Previdência. 'Isso é política social para ajudar as pessoas mais pobres do país.' É duvidosa, contudo, sua declaração de que 'se pegar os trabalhadores que contribuem não há déficit'. Estudos mostram que há um déficit estrutural nesse grupo, que vai aparecer.

Em nenhum lugar do mundo, os regimes de repartição simples como o do INSS (a geração de hoje custeia a aposentadoria da geração de ontem) anteciparam a redução do número de filhos e o aumento da expectativa de vida, o que fez cair a relação contribuintes/beneficiários. Daí a necessidade de reforma. A Suécia introduziu o fator previdenciário, que ajusta os benefícios à elevação da expectativa de vida pós-aposentadoria. A regra foi adotada por outros países, incluindo o Brasil. Aumentou-se a idade de aposentadoria, que já é de 67 anos em alguns países.

O Brasil é um dos casos mais graves. Somos dos poucos com aposentadoria por tempo de contribuição. O número de contribuintes por beneficiário caiu de dez para menos de dois, principalmente porque a Constituição de 1988 concedeu a aposentadoria de um salário mínimo para quem não contribuiu. O incentivo para quem ganha o mínimo é ficar na informalidade. A situação piorou nos últimos anos com os aumentos reais do mínimo, o qual é também o piso previdenciário.

A discussão sobre o déficit é importante, mas o aspecto mais grave é o nível dos dispêndios da sociedade com os idosos: 13% do PIB (INSS e servidores públicos), o dobro da média mundial. Os demais países latino-americanos gastam 5% do PIB ou menos (na Coréia do Sul e China, menos de 2% do PIB). A elevação desses gastos a partir de 1988 é a principal causa do aumento da carga tributária, que se tornou o entrave maior ao crescimento.

Por tudo isso, a questão é preocupante. É preciso reconhecer que a Constituição fez opções erradas em vez de louvá-las. Cumpre buscar saídas para atenuar os seus efeitos e enfrentar com coragem e determinação a reforma da Previdência. Esta deveria incluir a idade mínima para a aposentadoria e o seu reajuste pela inflação (sem aumento real), bem como a redução do valor dos benefícios para os que não contribuíram, preservados direitos adquiridos. Era assim até 1988. Além de reduzir gastos futuros, a medida eliminaria o atual incentivo à informalidade.

Lula prefere esperar que o Fórum Nacional da Previdência lhe aponte a saída. Trata-se de uma inversão da lógica e de uma equivocada interpretação do que seja 'discutir com a sociedade'. Como diria o conselheiro Acácio, o governo foi eleito para governar. A lógica nas sociedades democráticas contemporâneas é o governo formular propostas e só então recorrer à discussão pública. Valer-se do Fórum é renunciar à liderança no processo.

A exemplo do que ocorreu com o Fórum Trabalhista, dificilmente o da Previdência gerará uma proposta séria para enfrentar a grave questão previdenciária. Ambos incluem representantes corporativos cujo interesse é preservar o status quo ou aumentar os benefícios de seus grupos. Nos próximos quatro anos, podemos ficar sem a reforma e com os problemas, agravados pelos aumentos reais do salário mínimo.

Para ser estadista, Lula precisa pensar na próxima geração, assumir a responsabilidade das propostas e liderar o processo de reforma.

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