Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 10, 2007

Rocky Balboa, com Sylvester Stallone

Na estaca zero

Rocky Balboa é um filme até decente. Mas mostra que
o único futuro de Sylvester Stallone está no passado


Isabela Boscov

Divulgação
O sexagenário peso-pesado, de volta para mais um round: desejo de negar a própria irrelevância

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Trailer

Uma das maneiras mais eficazes de surpreender agradavelmente as pessoas é garantir que as suas expectativas sejam as piores possíveis. É assim que, com Rocky Balboa (Estados Unidos, 2006), desde sexta-feira em cartaz no país, Sylvester Stallone conseguiu suas primeiras resenhas favoráveis em quase três décadas, além de uma renda bem razoável na bilheteria: tendo feito da franquia, e de toda a sua carreira, alvo merecido de rechaço. Se, do segundo ao quinto episódios, a série se mostrara de uma estupidez atroz, só se poderia imaginar que uma volta do peso-pesado aos ringues em seus adiantados 60 anos seria uma calamidade ainda maior. É dessa descrença, então, que primeiro vem o espanto: Rocky Balboa não é tão ruim. Aliás, é decente, e faz o que pode para apagar o efeito das seqüências (em especial aqueles sobretons xenófobos e racistas) e retomar o clima do filme original, de 1976. A surpresa continua, ainda, com uma constatação melancólica – a de que o astro sabe, e admite, que está de volta à estaca zero.

Quando escreveu Rocky – Um Lutador, Stallone era um desconhecido com 106 dólares no banco. Mesmo assim, recusou-se a engordar a conta em mais 340.000 vendendo seu roteiro para que outro ator o estrelasse. Fincou o pé, negociou e implorou, até assegurar sua escalação no papel principal. Totalizada a remuneração por todas as suas tarefas, ganhou 21.400 dólares. Mas Rocky foi indicado a dez Oscar, ganhou três, incluindo o de melhor filme, e lançou seu recém-ungido astro numa trajetória balística. Stallone se transformou no maior entre os ícones de ação numa era em que, como os dinossauros, eles dominavam o planeta – a era Reagan. Protagonizou outra franquia, Rambo, que também começou bem e já no segundo capítulo sucumbiu ao desastre – mas que, somada à de Rocky, rendeu 2 bilhões de dólares. Juntou tanto cacife, enfim, que justificou investimento atrás de investimento, seguidos de fiasco atrás de fiasco. Até que a banca quebrou e o astro, totalmente desacreditado, parou de receber roteiros e telefonemas. É esse ciclo que Rocky Balboa fecha. Como no início de carreira, Stallone teve de negociar e implorar para tirá-lo do papel. E, como em 1976, sua amargura e humilhação são a espinha dorsal do filme e o elemento que o redime.

Em Rocky Balboa, o antigo campeão mundial passa os dias tentando se aproximar do filho ou então visitando o túmulo da mulher (Talia Shire, em imagens de arquivo). De noite, toca um pequeno restaurante, aonde os fregueses vão para ouvir histórias de suas glórias passadas. Compreensivelmente, refuga ver-se tão apequenado. Daí ele aceitar o convite para uma luta-exibição com o atual campeão, Mason Dixon (Antonio Tarver, boxeador também na vida civil). Rocky é o primeiro, e nem de longe o último, a notar o ridículo da empreitada. Mas e daí?, diz, fazendo coro com o próprio Stallone, que, a propósito de seu novo filme, declarou: "Um artista morre duas vezes, e a segunda delas é a mais fácil. A primeira, quando ele deixa de ser considerado relevante, é que é extremamente difícil de aceitar". Esse desejo intenso de negar a própria irrelevância e provar da fama de novo é o único motivo para que Rocky Balboa exista. E, ao mesmo tempo em que demonstra que de fato ainda havia alguma vida no ator e no personagem, o filme desmente a chance de algum futuro para o astro. Stallone tentou de todas as formas reverter seu declínio. Só o conseguiu agora, espanando o pó de uma criação de trinta anos atrás. Insensatamente, ele promete abusar da sorte, e ressuscitar também um revoltado veterano do Vietnã chamado John Rambo.

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