A satânica formação de Hitler, na
versão simplista do escritor americano
Jerônimo Teixeira
A páginas tantas de The Castle in the Forest, o novo romance do americano Norman Mailer, o narrador – que se apresenta primeiro como um oficial da SS nazista e, depois, como um demônio a serviço de Satã – diz que Hitler foi "o ser humano mais misterioso do século". A hipérbole, infelizmente, se mantém. A personalidade do tirano que arrastou a Europa à hecatombe, comandou o genocídio de 6 milhões de judeus e provocou um conflito que custou no total dez vezes mais em vidas humanas parece destinada a desafiar toda explicação e ultrapassar, em maldade, qualquer medida compreensível. Decano das letras americanas, Norman Mailer enfrentou, já passando dos 80 anos, o desafio de tentar solucionar o mistério na sua raiz: seu romance enfoca a infância e a adolescência de Adolf Hitler. The Castle in the Forest é uma obra ambiciosa em suas intenções, minuciosa no seu tratamento de temas paralelos, cansativa nas suas digressões históricas, excessiva em suas 470 páginas. E é, sobretudo, um malogro, já que a personalidade de Hitler não é elucidada, mas simplificada ao ponto da caricatura. Deve-se conceder um mérito a Mailer: seu malogro é monumental.
A expectativa em torno da obra era tanto maior por se tratar do primeiro romance de Mailer em dez anos. Tomar o menino Adolf Hitler como personagem principal de um livro não chega a ser surpreendente para o autor – seu romance anterior, O Evangelho Segundo o Filho, trazia um protagonista que, em sentido bem diverso, também desafia todas as tentativas de explicação: Jesus Cristo. Como seria de esperar de uma obra ficcional, há uma considerável dose de especulação fantasiosa no novo livro. Mailer dá crédito especial a algumas das hipóteses mais popularescas já levantadas sobre seu infame personagem (por exemplo, a de que ele teria apenas um testículo). Mas ele também reuniu uma sólida bibliografia sobre Hitler. Sua história se organiza com rigor em torno da cronologia e dos fatos estabelecidos. Infelizmente, o preciosismo historiográfico acaba sepultado sob o arcabouço "teológico" do romance. O narrador, afinal, é um demônio. Hitler é desde cedo considerado promissor pelo Maestro (apelido íntimo de Satanás). Com essa metafísica maniqueísta, fica fácil resolver o tal "mistério": Hitler era o próprio mal. Ponto. Nada mais haveria a acrescentar – e, no entanto, Mailer achou por bem agregar algumas comezinhas soluções terrenas para o enigma.
O incesto, de acordo com a hipótese de The Castle in the Forest, seria determinante na psicopatologia do ditador. Quando jovem, Alois, pai de Hitler, manteve relações sexuais com uma meia-irmã. Desse conúbio infeliz, nasceu Klara, ao mesmo tempo filha e sobrinha de Alois. Apesar da diferença de idade, Klara acaba se tornando a terceira mulher de Alois. O casal tem seis filhos, dos quais apenas dois chegam à idade adulta – Adolf e sua irmã mais nova, Paula. Hitler, portanto, era uma degeneração biológica. A violência e a permissividade domésticas agravariam esse estigma naturalista. O menino Hitler foi criado entre as surras brutais do pai e a superproteção da mãe. Mailer, nesse ponto, segue uma abordagem psicanalítica rasteira. Estão lá todos os lugares-comuns freudianos: a mãe obcecada pelas fezes do seu querido bebê, o menino ciumento que por acidente vê os pais na cama etc. As teses de Mailer não são apenas simplistas. Também são insuficientes. É inconcebível que um livro devotado à formação de Hitler se perca em tantos temas secundários – há longas descrições de técnicas de apicultura, passatempo do pai de Adolf – e não traga nenhuma palavra significativa sobre o anti-semitismo.
Em resumo, o Hitler de Mailer é o seguinte: um fruto do incesto criado no seio de uma família degenerada e tutorado desde o nascimento por um demônio. Não é de estranhar que, nas páginas finais do livro, ele apareça se masturbando com uma mão e fazendo a saudação nazista com a outra – o sujeito era uma completa aberração. Apesar do personagem tenebroso, The Castle in the Forest tem um aspecto psicologicamente reconfortante. O leitor chega às páginas finais com a certeza de não ter nada em comum com aquele monstro. Faltou uma ousadia fundamental a Norman Mailer: mostrar Hitler como o ser humano que ele lamentavelmente foi.
VERDADES, MENTIRAS E SUPOSIÇÕES Em seu romance sobre a formação de Hitler, Norman Mailer explorou algumas versões populares a respeito da vida do tirano nazista. A maioria delas, porém, permanece no terreno das conjecturas A ESPECULAÇÃO A HISTÓRIA
A ESPECULAÇÃO A HISTÓRIA
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