Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 10, 2007

Pecados Íntimos, com Kate Winslet

Traição no jardim-de-infância

No excelente Pecados Íntimos, o diretor
Todd Field reconstitui a rotina de um adultério


Isabela Boscov

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Trailer

Recomenda-se ignorar o título brasileiro de Pecados Íntimos (Little Children, Estados Unidos, 2006), que não quer dizer nada, e considerar apenas o original – "crianças pequenas", que se refere não apenas às mesmas, mas também (aliás, principalmente) aos seus pais e mães. Como, por exemplo, Sarah (Kate Winslet) e Brad (Patrick Wilson), ambos no começo dos 30 anos, ambos relegados a cuidar da casa enquanto seus parceiros trabalham com sucesso, e ambos atônitos com a exigência de que deixem de ser o centro da própria vida para cedê-lo a esses usurpadores – os filhos. Sarah e Brad moram num subúrbio de Boston, num estado de descontentamento muito próximo daquele que a feminista Betty Friedan descreveu várias décadas atrás: espera-se que eles estejam felizes por viver cercados de riqueza, de beleza e das supostas alegrias do lar – mas, obviamente, eles não estão. Sarah todos os dias leva a filha de 3 anos a um parquinho, onde confraterniza com outras mulheres insatisfeitas e tenta parecer uma mãe dedicada, o que ela não é. Cada vez que Brad aparece no parque com seu menino pequeno, o grupinho de mulheres ferve de fantasia e insatisfação sexual. Logo o clima será de histeria, porque Sarah e Brad iniciam um caso e porque um pedófilo é solto da prisão e volta a morar no bairro, na casa de sua mãe.

O diretor Todd Field estreou seis anos atrás com o sucesso-surpresa Entre Quatro Paredes, no qual o assassinato de um rapaz levava seus pais a deixar aflorar uma violência que nunca tinham percebido em si. O filme que está desde sexta-feira em cartaz é apenas o segundo de Field, mas reafirma que o tema das emoções recônditas é o seu forte. Trabalhando junto com o escritor Tom Perrotta, a partir de um romance de autoria deste, ele desenha cuidadosamente um cenário em que todos os personagens extravasam alguma coisa para não ter de encarar outra, mais grave, mais destruidora ou simplesmente mais adulta. Da maneira como Sarah escolhe um maiô vermelho à cena sensacional em que o pedófilo vai se refrescar numa piscina cheia de crianças, todas essas manifestações de desejo – infantis porque nunca contabilizam suas conseqüências – vêm anotadas em detalhes tão ricos quanto verossímeis. Field gosta de mostrar essas minúcias porque elas é que transportam o tema de seu filme da abstração para a realidade. Não é novidade, por exemplo, imaginar um caso entre pessoas como Brad e Sarah; mas é novo, e fascinante, observar a rotina desse caso – a luta para persuadir os filhos a tirar uma soneca, as discussões sobre os prós e contras da lavanderia como alcova, a perplexidade de Sarah, que não se acha mais atraente, em ter seduzido um homem tão belo.

Esse é o tipo de direção a que atores costumam responder com o seu melhor. Se há algo, então, que supera a habilidade de Field, trata-se da atuação destemida de seu elenco. Patrick Wilson compõe um retrato soberbo da irresolução masculina, enquanto Kate Winslet realiza seu melhor trabalho – o que não é pouca coisa. Pecados Íntimos traz ainda uma redescoberta oportuna: Jackie Earle Haley, ex-astro adolescente que havia anos não conseguia um papel, dosa com brilhantismo os aspectos assustadores e patéticos do pedófilo que aterroriza o subúrbio com sua simples existência. Não há surpresa nenhuma no fato de Kate, Haley e o roteiro concorrerem ao Oscar. O surpreendente é que também Wilson e a direção de Field não estejam na disputa por uma estatueta.

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