Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Miriam Leitão Perder a hora

A Universidade de Berkeley vai receber US$ 500 milhões da BP para pesquisa em energia nova e limpa. A China está captando recursos para um Fundo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e montando uma bolsa de crédito de carbono. O Brasil joga na defensiva: o Itamaraty não aceita cláusula ambiental em acordos, e o ministro da agricultura garante que o país não precisa derrubar árvore para suas plantações. Em quatro anos, o Brasil derrubou, na Amazônia, 4.250.000.000 de árvores.

Robert Birgeneau, reitor da Universidade de Berkeley, na Califórnia, divulgou, na semana passada, um comunicado em que se diz orgulhoso de informar que a BP (British Petroleum) selecionou a universidade para receber um volume sem precedentes de recursos para pesquisa em energia nova, limpa e renovável. No fim de semana, a agência de notícias Xinhua anunciou que a China está captando recursos para um Fundo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e que vai também ter uma bolsa para comercializar crédito de carbono.

Em comum entre as duas notícias, está a lerdeza do Brasil. Há grandes oportunidades abertas para o país na área da energia limpa.

Elas não são tão simples quanto parecem. O que não se pode fazer é o que as autoridades brasileiras têm feito. Enquanto países do mundo se mexem na corrida para serem fornecedores de energia limpa, várias autoridades brasileiras fazem declarações datadas e defensivas.

No grupo das defensivas, estão as do ministro da Agricultura, Luis Carlos Guedes.

Ele afirmou que o Brasil protegeu suas florestas mais que qualquer outro país e garantiu que o Brasil não precisa derrubar uma única árvore para produzir energia ou alimento. Queria, com isso, dizer que não precisamos aceitar regras externas, limites ou cotas na área ambiental. Realmente, precisar, não precisa, mas desmata mesmo assim.

O Brasil desmatou 85.000km² em quatro anos.

Pelos cálculos do Imazon, usando a estimativa feita pelo pesquisador Ter Steege, em 2003, na região do arco de desmatamento, são 45 mil a 55 mil árvores por quilômetro quadrado. Essa estimativa considera apenas as árvores com diâmetro do tronco igual ou maior que 10 centímetros. Portanto, não considera os arbustos e arvoredos.

Ficando no ponto médio, isso significa que o Brasil derrubou 4,3 bilhões de árvores em quatro anos.

Imagina se precisasse.

No grupo das datadas, estão as declarações do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, de que cláusulas ambientais nos acordos de comércio não serão aceitas, porque isso é pretexto para mais protecionismo. Essa é uma visão dos anos 80, quando as exigências ambientais eram simplesmente pretexto.

Agora a Europa está envolvida em redução das emissões de gases de efeito estufa, e continua a ser, como sempre, protecionista.

A resposta tem que ser mais inteligente. Não pode ser, simplesmente, uma recusa a aceitar a exigência de compromissos ambientais, porque isso será visto pelos consumidores do mundo como a atitude de um país atrasado que não quer comprovar certificação e origem dos seus produtos.

As velhas respostas de que a culpa do aquecimento global é dos países que emitiram no passado e que, portanto, não nos cabe aceitar qualquer tipo de limitação, de nada servem agora. A natureza do debate mudou. É do nosso interesse jogar na ofensiva neste jogo: assumindo compromissos internacionais de proteção das florestas e fazendoos serem cumpridos; construir uma imagem de país verde; captar recursos para sair na frente com soluções.

O Brasil tem tudo para jogar na ofensiva neste campo: é sede da maior floresta tropical do mundo; é pioneiro no uso de combustível alternativo de origem vegetal, tem 30 anos de investimento em desenvolvimento de produção de etanol. Deveríamos estar atraindo empresas para financiar institutos de pesquisa brasileiros para aperfeiçoamentos cada vez maiores da tecnologia. Em vez de sonhar em fazer do Brasil um dia um imenso canavial, o mais inteligente seria ser produtor e exportador de tecnologia também.

— O papel do governo da Califórnia está intenso em viabilizar pesquisa e estimular economia nessa área. Nossa vantagem comparativa de 30 anos de estrada vai virar fumaça — alerta o economista David Zylberstajn .

No caso do etanol, que o Brasil se prepara para exportar mais, é bom lembrar que vários outros países estão investindo na mesma direção. Portanto, só nos beneficiaríamos se fizéssemos esforços locais para a certificação da matéria-prima, para provar ao consumidor que o produto não foi feito com o sacrifício da Amazônia.

A China sair para a ofensiva nesse campo é realmente incrível. É o segundo maior poluidor do mundo, usa carvão como matériaprima e continuará usando, porque é a única fonte de energia que tem em abundância.

E foram os chineses que anunciaram, através da sua agência oficial de notícia, que estão recebendo recursos de diversas fontes, multilaterais e privadas, para estudar a redução das emissões.

Eles atacam e o Brasil se defende mal. Parece a última Copa do Mundo.

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