O presidente Lula é o grande vencedor das eleições que deram ao petista Arlindo Chinaglia a presidência da Câmara e ao peemedebista Renan Calheiros a do Senado. No caso deste último, a vitória de Lula é nítida e clara. Desde o primeiro mandato, ninguém trabalhou mais do que o senador, em dupla com o correligionário José Sarney, que sucedeu no cargo, pela adesão da legenda ao Planalto, agora formalizada no governo de coalizão, impedindo que a sigla tivesse candidato presidencial próprio. Menos nítido à primeira vista, mas não menos expressivo, é o triunfo de Lula com o resultado na Câmara. É verdade que ele apoiou Aldo Rebelo, do PC do B, quando, na ausência de qualquer outro postulante da base governista, o deputado partiu para a conquista de um novo biênio no comando da Casa. É verdade ainda que auxiliares do presidente tentaram dissuadir Chinaglia de entrar na disputa e o PT de lhe dar respaldo. Mas isso foi apenas o começo da história.
Quando ficou patente que a candidatura do então líder do governo não apenas era irreversível, mas tendia a crescer, o presidente abandonou Rebelo ao sol e ao sereno. Foi uma demonstração de deslealdade a que o comunista, impecavelmente fiel a ele nos momentos mais abrumadores do mensalão, não deixaria de aludir, sem muita sutileza, no debate da TV Câmara e, principalmente, no discurso antes da votação de anteontem. Mas, enquanto Lula tratava de se preservar, como de hábito, com o cinismo que lhe é peculiar, o dispositivo petista de poder se pôs a trabalhar pelo companheiro candidato. Nos dias que antecederam a eleição, com os desmentidos de praxe que só enganavam os distraídos, os operadores do Planalto recorreram à liberação de verbas do Orçamento em benefício de deputados da linha de frente da candidatura Rebelo - e que, por espantosa coincidência, logo fizeram saber que eram chinaglistas desde criancinha. Na reta final, os homens do presidente tiraram a camuflagem do rolo compressor.
No dia D, um assessor do ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, promoveu um overbooking de ofertas de cargos em troca de votos para Chinaglia. Cai assim a teoria de que ele não deve nada a Lula pelo seu triunfo e, portanto, deverá se conduzir com independência. Na verdade, Lula é seu credor - e nem deverá lembrá-lo disso quando precisar dos seus bons ofícios no novo período legislativo.
Ainda não é tudo: além dos resultados eleitorais no Congresso, o presidente passou a ter uma formidável maioria na Câmara, centrada na placa tectônica PMDB-PT-PP-PR, e a maioria que lhe faltou no Senado no quatriênio passado. Já a oposição, que entre o pleito e a posse perdeu 8 parlamentares trânsfugas, está em frangalhos. No Senado, diversos tucanos faltaram ao candidato Agripino Maia, do PFL. Na Câmara, muitos mais aderiram no segundo turno a Chinaglia, que prometera ao PSDB a 1ª vice-presidência da Casa (para um deputado mineiro próximo ao governador Aécio Neves).
Tampouco terá longa duração o racha da base governista, da qual Rebelo deve ter obtido cerca de 70 dos seus 175 votos na rodada inicial. O estranhamento das bancadas do PSB, PDT e PC do B em relação ao PT não atingirá em cheio o presidente, apesar da mala sangre que o seu comportamento fez derramar. De resto, não lhe faltará mercúrio, como disse, para cicatrizar os ferimentos dos aliados.
Finalmente, a sucessão de 2010, potencialmente divisiva para o governismo, ainda está distante. Bastará a Lula, em suma, um simples estalar de dedos, ou pouco mais que isso, para que o atual Congresso lhe dê o que desejar - a não ser que ele revele uma incompetência política simplesmente sobre-humana. O PT também tem tudo para rir a bandeiras despregadas. A candidatura Chinaglia - que deu 5 estrelas à Pizzaria Plenário, no discurso corporativista e complacente em que proclamou a virada da página dos escândalos da legislatura anterior - uniu o partido em torno da amnésia dos seus 'erros' mensalônicos.
Nada dá tão certo quanto o sucesso, dizem os norte-americanos. O dito funcionou com Lula na consagração eleitoral de 29 de outubro e começou a funcionar com o PT nesse 1º de fevereiro. Eis a data da refundação da sigla, embora não exatamente no sentido que lhe queria dar, ou assim dizia, o dirigente Tarso Genro: é a refundação sobre as mesmas bases.