Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 03, 2007

Negação do Holocausto Miguel Reale Júnior



Em face da manifestação do Irã contestando o morticínio de milhões de judeus pelo regime nazista, a Organização das Nações Unidas (ONU), em resolução da semana passada, condenou a negação do Holocausto, solicitando aos Estados membros que rejeitem a negação desse nefasto evento histórico, no todo ou em parte. Esta decisão foi apoiada por 103 países.

As teses que negam o genocídio dos judeus tiveram início nos anos 50. Encontraram eco na França nos anos 70. São os assassinos da memória, na expressão de Pierre Vidal Nacquet, que hoje atuam especialmente pela internet.

Na Alemanha, na Áustria, na Bélgica, na Holanda, na Polônia, na França, na Espanha, em Portugal e agora na Itália se considera crime a negação do Holocausto. Na França, veio a ser condenado o pensador Roger Garaudy por negacionismo de Auschwitz, condenação essa confirmada pela Corte Européia de Direitos Humanos.

O Parlamento Europeu, como resultado dos trabalhos do Ano Europeu Contra o Racismo, em 1997, baixou a Resolução B4-O108/98, na qual, em face de existirem setores da população com atitudes racistas e xenófobas, propôs que os Estados membros passem a classificar como crime a instigação ao ódio racial ou à xenofobia, e outros atos correspondentes, bem como a negação do Holocausto ou de delitos contra a humanidade.

Das legislações nacionais que incriminam o racismo, cumpre lembrar a francesa, Lei 90-615 de 1990, que tipifica penalmente a negação de crime contra a humanidade, o chamado revisionismo, diretamente ligado às tentativas de justificativa do Holocausto.

Igualmente, a legislação espanhola, com a Lei Orgânica 4/1995, modificativa do Código Penal, e denominada 'Lei contra o racismo', introduziu o artigo 607-2 ao Código Penal, no qual se configura o crime de negação do genocídio, criando com esta 'intervenção penal anti-racista' uma política criminal voltada para reforçar a igualdade.

Portanto, na linha de se contrapor ao chamado revisionismo e negacionismo, o legislador espanhol estabeleceu como delito a negação do Holocausto ou de outro crime contra a humanidade.

Também em Portugal se alterou, em 1998, o artigo 240 do Código Penal, para se incluir entre os crimes de discriminação racial a difamação ou a injúria por meio da negação 'de crimes de guerra ou contra a paz e a Humanidade'. As ofensas apenas se tipificam à luz do artigo 240 do Código Penal se há a 'intenção de incitar à discriminação racial ou de a encorajar', entendendo o legislador português que pela forma da injúria e difamação se estaria 'respondendo às exigências de prevenção e repressão de fenômenos de etiologia racista'.

A justificativa da criação desta figura penal na luta contra o racismo tem duplo viés: o de evitar que o passado caia no esquecimento e o de promover o respeito à pessoa humana pelas novas gerações.

Efetivamente, não se pode permitir o esquecimento, muito menos a negação do vergonhoso morticínio de milhões de pessoas, homens, crianças e mulheres, nos campos de concentração nazistas.

No Brasil não há, especificamente, a incriminação da negação de crime contra a humanidade, porém a Lei nº 7.716, de 1989, com as alterações introduzidas, configura como crime, no artigo 20, o ato de 'praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional'. No @ 1º desse artigo, estatui-se ser crime 'fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo'.

Se a negação de crime contra a humanidade ou do Holocausto vier carregada da intenção de induzir ou incitar o preconceito de raça, cor ou etnia, fica configurado o delito. Haverá, portanto, crime em face de nossa lei se a negação do Holocausto constituir propaganda para fins de divulgação do nazismo, incitando ao racismo.

Na obra Holocausto Judeu ou Alemão? Nos bastidores da mentira, escrito por editor nazista do Rio Grande do Sul, sob o pseudônimo de S. E. Castan, negou-se o Holocausto, tachando-o de mentira, para concluir que passarão os séculos, mas das ruínas de nossas cidades brotarão o ódio contra os responsáveis contra esses desastres, 'a judiaria internacional', chegando a afirmar, com a máxima desfaçatez, que 'os únicos gananciosos da Grande Guerra foram de fato os judeus'.

Por este fato veio a ser condenado por crime de racismo, considerado imprescritível, em memorável decisão do Supremo Tribunal Federal.

Considero certa a linha do legislador português, que incrimina a negação de crime contra a humanidade desde que haja a 'intenção de incitar à discriminação racial ou de a encorajar', pois dessa forma não se incorre no risco de estar a punir criminalmente uma manifestação de pensamento destituída do fim de incitar ao racismo. Creio que a nossa legislação se enquadra nesse modelo, pois se tipifica como crime a negação do Holocausto ou de outro crime contra a humanidade se esta manifestação tiver por finalidade o induzimento ao preconceito de raça, de cor, de etnia.

Independentemente da esfera penal, qualquer negação do Holocausto merece grave rejeição. Fatos históricos que tenham degradado ou rebaixado um grupo pessoas por suas características de raça, cor, etnia, religião não podem ser 'absolvidos' pelo esquecimento ou desvirtuados.

A segregação de pessoas, considerando-as não iguais, em razão de sua raça, cor, origem nacional ou étnica, a justificar até mesmo sua eliminação, deve ser relembrada, jamais negada, bem como sua condenação, pela força pedagógica do exemplo para as futuras gerações.

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