Com a vitória retumbante do presidente Lula no comando das duas Casas do Congresso, há que se adequar o Poder Legislativo brasileiro a los nuevos tiempos de nuestra latinoamerica. Não é bom para o País que seu chefe de Estado e de governo se sinta diminuído perante o todo-poderoso colega venezuelano. Apesar de dispor, graças às medidas provisórias, de poderes especiais para legislar sobre tudo, o presidente Lula ainda pode ser atrapalhado, em seu extenuante esforço administrativo, por parlamentares que só pensam em vantagens pessoais e políticas. Então, por que os fidelíssimos dirigentes do Congresso não livram o chefe de Estado e de governo desse constrangimento, fazendo o mesmo que a Assembléia Nacional da Venezuela, cuja presidenta, Cilia Flores, anunciou, inebriada de emoção, a concessão de poderes absolutos ao chefe Hugo Chávez, para que ele possa legislar sozinho durante um ano e meio?
Afinados com a sensibilidade patriótica do povo, tal como os congressistas venezuelanos, nossos parlamentares federais poderiam fazer uma sessão especial ma Praça dos Três Poderes, em meio a populares entusiasmados, para aprovar, por aclamação, a Lei Habilitante Planaltina. Com ela, Lula estaria liberado para legislar, sozinho, sobre a estrutura do Estado, a administração pública, a economia, as finanças públicas, o regime tributário, a segurança, a ciência e tecnologia, a ordenação do território, a defesa nacional, a infra-estrutura, o transporte, as comunicações e os serviços.
Não dependendo, durante um ano e meio, de partidos políticos que brigam por postos ministeriais e em estatais, Lula estaria livre para montar uma equipe de notáveis, em seu governo. Não dependendo dos burocratas do Banco Central, o presidente teria condições de fazer os juros despencarem e, com isso, estimular a tão almejada retomada do crescimento. Livre da pressão dos governadores e de todos os lobbies no âmbito do Legislativo, Lula, aí, sim, poderia pôr para funcionar o seu tão menosprezado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), impedindo que ele empacasse por aleivosas manobras oposicionistas.
Com toda a certeza, a liberdade de nomeação ou não de pessoal, que adquiriria pela vigência de uma Lei Habilitante, pouparia o governo Lula do preenchimento de muitos milhares de cargos de confiança, por parte do PT e de seus aliados - o que, forçosamente, resultaria em maior eficiência para a administração pública federal, como um todo. O orçamento também estaria livre de muitas emendas parlamentares fisiológicas e de todas as costumeiras falcatruas perpetradas em torno delas. A Lei Habilitante também poderia dar condições ao presidente de resolver um problema crônico nacional: o teto do salário dos servidores de todos os Poderes. Bastaria um decreto presidencial que impedisse os servidores, de qualquer nível e Poder, de terem remuneração - a qualquer título - superior à do presidente da República, hoje.
Problemas de disputas regionais, guerra fiscal, dívidas dos Estados com a União, conflitos de legislação, etc., poderiam ser resolvidos mais facilmente se pudessem ser normatizados, em um ano e meio, pelo poder central. Na verdade, considerando-se que hoje em dia é quase só o Executivo que legisla - por meio de medidas provisórias e projetos de lei enviados pelo Planalto ao Congresso -, não haveria muita diferença na vigência de uma Lei Habilitante, a não ser a redução da capacidade de o Legislativo atrapalhar.
Poderia haver uma objeção a essa lei, neste sentido: se apenas caberá ao governo legislar, durante esse ano e meio, que farão os ilustres parlamentares? A solução seria simples: bastaria transformar as duas Casas Legislativas numa grande CPI permanente. Os parlamentares teriam toda a liberdade de investigar tudo, especialmente a si próprios, com cobertura das televisões - da Câmara e do Senado - por 24 horas. Seria uma espécie de BBB parlamentar. Haveria a oportunidade de a população assistir a inflamados discursos, acirradas discussões, e com isso conhecer melhor seus representantes - suas idéias, qualidades e defeitos. Certamente as investigações não resultariam em nada de cassações de mandatos ou outros tipos de punição, mas poderiam deixar a população mais consciente e alerta sobre tudo o que é tratado pelos profissionais da política, em seu nome.
Não precisando mais convencer ninguém de coisa alguma, pois estaria munido de poderes para realizar o que bem entendesse, o presidente Lula, durante um ano e meio, talvez se dispensasse de pronunciar discursos. Para não ficar por baixo do colega venezuelano, é claro que também poderia usar sempre a faixa presidencial, mas sem perder precioso tempo para preparar complexos pronunciamentos, capazes de desviá-lo de seus ingentes e diuturnos esforços, próprios de sua tão absorvente função presidencial. Agora, se houvesse necessidade de explicar melhor à população alguns decretos presidenciais não bem entendidos, como, por exemplo, a criação de novos Estados e municípios, a compra de aviões presidenciais mais modernos, a construção de usinas nucleares, de megagasodutos, a canalização de rios, o lançamento de ônibus espaciais e coisas assemelhadas, bastaria uma exposição audiovisual da dupla Dilma e Guido e estaria tudo resolvido.
Alguns poderão achar que uma Lei Habilitante que desse tanto poder a Lula seria estranha à nossa história política. Se fosse, com certeza seria muito menos estranha do que a lista, solicitada 'oficialmente' por um presidente da República, dos cargos que um partido político tem 'interesse' em preencher. A falta de disfarce desse fisiologismo desbragado não ocorrera antes, nem na pior das repúblicas de bananas.