Como em qualquer disputa de poder, o balanço de perdas e ganhos nas eleições das presidências da Câmara e do Senado vai além dos números; há as vitórias e as derrotas políticas a serem contabilizadas.
Juntando-se os dois quesitos, o numérico e o político, não resta dúvida na conclusão: o grande vencedor foi, disparado, o PMDB.
Ganhou de novo a presidência do Senado e ficou com metade da presidência da Câmara mais a promessa da primazia na disputa do posto daqui a dois anos. Ninguém fala, como se diz em relação ao PT, em reduzir seu poder no governo, ao contrário. E tudo isso sem ter feito o esforço de concorrer à Presidência da República nem precisar dizer, em momento algum, o que pensa a respeito de assunto nenhum.
O PT, é evidente, também saiu vencedor. Voltou à ribalta perdida em meio a escândalos, enredou seu principal adversário, o PSDB, numa trama da qual saiu politicamente perdedor com possíveis repercussões eleitorais mais à frente e um dano profundo de imagem e ainda ganhou o aval coletivo para a sua tese de que suas malfeitorias pertencem a uma agenda superada.
Mas o PT continua na berlinda das cobranças, dentro e fora do Parlamento. Já o PMDB revelou-se um negociante de primeira (embora seus atos não mereçam classificação tão meritória), sem o ônus nem o risco de ser cobrado por isso. Como do PMDB se espera qualquer coisa, tudo o que o partido faça é visto com naturalidade.
É a vantagem de quem tem a imagem no fundo do poço, não dá importância para isso e pode viver permanentemente do ganho absoluto: suas vitórias não implicam perdas no contraponto, suas façanhas já estão incorporadas.
O PSDB, por exemplo, não tem a mesma sorte. Numericamente ganhou a primeira vice-presidência da Câmara ao se aliar a Arlindo Chinaglia, mas politicamente perdeu qualquer condição de agente fiscalizador do governo - como convém à oposição - ao optar pelo jogo legislativo em detrimento da afirmação partidária. Para efeito externo, pagou a conta da vitória do PT.
Já o PMDB, que virou, mexeu e pôs à disposição de Chinaglia toda a expertise acumulada pela ala antes oposicionista durante 8 anos de serviços prestados à motoniveladora de Fernando Henrique dentro do Congresso, saiu ileso.
Fez um acerto de reserva de mercado da presidência da Câmara pelos próximos quatro anos, oficializado entre seu presidente, Michel Temer, e o então presidente em exercício do PT e assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, e ninguém o acusou de nada. Apontar intenções fisiológicas no PMDB, quem há de perder tempo com isso?
Pois muito bem. Os pemedebistas agora podem dizer ao presidente Luiz Inácio da Silva que entregaram a ele finalmente uma mercadoria prometida depois de quatro anos de expectativas não cumpridas.
Pedem seis ministérios e isso não causa espécie, revoltas nem acusações. É visto quase como uma recompensa inquestionável pelo potencial da turma na produção de vitórias. Do ponto de vista da lógica da barganha - a única vigente em regime de supremacia absoluta - o PMDB foi o mestre da obra.
Juntou-se ao PT ainda em novembro, quando tudo parecia apontar para a superioridade de Aldo Rebelo, e tocou o projeto em frente mesmo em momentos de baixa, como aquele da derrota do candidato petista ao Tribunal de Contas da União.
Fez o jogo de faz-de-conta simulando pleitear também a presidência da Câmara, quando só estava de olho em ministérios, ficou credor do PT e ainda se credenciou junto ao Palácio do Planalto, mostrando que o PMDB pode ser um partido dividido, mas quando é posto todo em movimento em busca de um mesmo objetivo é um parceiro indispensável.
E como a vitória aplaca todos os males, internamente o equilíbrio ecológico entre pemedebistas foi agora restabelecido. O grupo dos senadores Renan Calheiros e José Sarney continua atendido e prestigiado e a ala que fez oposição enquanto não teve espaço aberto e motivação substantiva para atuar ganhará seu quinhão na Esplanada.
Mas, sendo os fins da agremiação lucrativos, o preço da vitória também é alto. E com esses custos é que o presidente da República terá de fazer frente agora.
O PSDB entregou o jogo baratinho. Um posto na Mesa - muito menos importante que a primeira secretaria, responsável pela burocracia da Casa e ocupada por quem? Pelo PMDB - e uns acertos regionais aqui e ali.
Com o PMDB a conversa é outra. Por isso, no tal balanço de perdas e ganhos é preciso dar à vitória do governo uma dimensão relativa. Lula ganhou, mas ao custo da desorganização de sua monumental coalizão de 321 deputados, cuja rearticulação vai ser bem mais complicada do que imagina o presidente Lula quando diz que basta um pouco de mercúrio para tratar as feridas.
Considerando que o mercúrio não dá para todo mundo, a disputa de poder a partir de agora posta em execução por um PT revigorado e um PMDB robustecido não pode ser desprezada como fator de perturbação política e administrativa.