LISBOA. Para quem está no meio do furacão, sendo bombardeado de todos os lados, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, até que está de bom astral, embora visivelmente cansado dos embates políticos.
Ele dedicou sua palestra ontem no seminário da Fundação Luso-Brasileira sobre perspectivas econômicas do Brasil a tentar desmistificar a idéia de que a inflação estar na faixa inferior da meta significa que houve excesso de zelo do Banco Central na queda de juros. Ao contrário, ele garante que economias em boa situação, como as do Chile ou da Austrália, costumam ter a inflação na banda inferior, o que daria maior segurança e margem de planejamento aos investidores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas.
Para Meirelles, a flutuação da inflação dentro da margem de tolerância, seja para baixo como para cima da meta central, é bom sinal para o longo prazo da economia.
Se fosse preciso acertar a meta, alega Meirelles, não seria preciso ter a variação para mais e para menos. Segundo ele, não existe inflação que se mantenha estável ao longo do tempo, e é por isso que existem as margens inferior e superior.
Para mostrar que a decisão do Copom de cortar 0,25 ponto na taxa na última reunião, que mereceu críticas por ter sido vista como conservadora por políticos e empresários, foi correta, Meirelles lembra que as taxas de juros de mercado de um e dois anos caíram depois da decisão, o que indicaria que o mercado considerou que a medida foi adequada ao momento e garantirá uma queda consistente da taxa Selic no futuro.
Na véspera da reunião do Copom, a 23 de janeiro, a taxa de um ano era de 12,36; caiu no dia da divulgação da ata, a 1ode fevereiro, para 12,35 e ontem estava em 12,22. Já a taxa de dois anos era de 12,29 na véspera do Copom, caiu para 12,24 no dia da divulgação da ata e ontem estava em 12,14.
Meirelles lembra, com dados históricos, que sempre que o Banco Central faz uma mexida que o mercado considera errada, a conseqüência aparece nas taxas de longo prazo, que sobem imediatamente.
Ele citou momentos, depois da crise cambial de 1999, em que o Banco Central cortou demais os juros na opinião do mercado, fazendo com que as taxas de longo prazo subissem.
Em algumas ocasiões o BC teve mesmo que voltar a subir as taxas de juros para acalmar o mercado. Com isso, ele quer dizer que a posição do Banco Central não é de cautela excessiva, mas obedece a um planejamento que garante um objetivo seguro no longo prazo. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não comenta, mas seu entorno está convencido de que a campanha que ele sofre de setores do PT tem muito pouco ou nada a ver com posições de políticas econômicas, mas com o fato de ter barrado negócios do grupo petista que coordenou o mensalão.
De acordo com uma entrevista que o ex-secretário do PT Silvio Pereira deu ao GLOBO em 2005, o plano do lobista Marcos Valério era arrecadar R$ 1 bilhão em transações que dependiam do Banco Central, onde ele já trabalhara.
As operações envolviam negociações de dívidas rurais e bancos que estavam sob intervenção no Proer, especialmente o Econômico e o Mercantil de Pernambuco.
O que propunham, num trabalho de lobby custeado pelos antigos donos dos bancos sob intervenção, era uma correção de ativos e passivos.
Uma simples troca de indexadores faria com que os banqueiros recebessem os bancos de volta com créditos. O Banco Central vetou todas as investidas, alegando sempre as rígidas regras do Proer.
Os petistas envolvidos na tentativa de negociatas teriam considerado que o Banco Central não colaborou com as finanças do partido. O presidente Lula, por outro lado, deve considerar que se os negócios tivessem saído, a oposição teria tido condições materiais de embasar um pedido de impeachment na crise do mensalão.
O grupo de Meirelles também atribui ao mesmo grupo “de inteligência” petista envolvido na compra do dossiê contra os tucanos na eleição do ano passado as denúncias contra ele, que quase o derrubaram do governo em 2005, e fizeram com que o presidente Lula desse status de ministro ao seu cargo para que pudesse estar protegido por fórum especial.
Meirelles considera que a luta política em torno das decisões sobre os juros tem também origem na resistência de formalizar a independência do Banco Central, que existe de fato, mas não de direito.
Ele vê essa dificuldade como característica não do governo petista, mas do sistema de poder político ainda vigente no país.
A autonomia formal não saiu no governo Fernando Henrique, que já se declarou contrário à medida, e, embora defendida pelo ex-ministro Antonio Palocci, nunca saiu no governo Lula.
Meirelles dá o exemplo de como é possível um governo com o mesmo viés político de Lula ter visão diferente da mesma questão.
O próprio ministro das Finanças inglês, Gordon Brown, contou-lhe que ao ser convidado pelo primeiro-ministro Tony Blair para o cargo, fez duas exigências: ser o seu sucessor dentro do Partido Trabalhista, e dar independência ao Banco Central.
Quanto a essa segunda exigência, Blair teria se espantado e perguntado: “Mas você não tem ambições políticas”.
Ao que Gordon Brown respondeu: “Por isso mesmo quero dar independência ao Banco Central inglês”.
Formalizar a separação do Banco Central do dia-adia do governo é uma maneira, na visão do mercado, naturalmente endossada por Meirelles, de dar credibilidade às suas decisões, tirando-lhes qualquer resquício político e deixando apenas as questões técnicas para serem analisadas.
Meirelles acredita que a politização da discussão sobre as taxas de juros só traz prejuízos para a economia do país, especialmente levando intranqüilidade ao mercado financeiro estrangeiro.
(Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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