Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 10, 2007

FERNANDO GABEIRA Apocalipse nada

SE O PLANETA vai mesmo acabar, que o faça democraticamente. O enfoque apocalítico é ambíguo para quem trabalha no dia-a-dia. Provoca uma excitação inicial, mas pode também paralisar. A referência essencial é o trabalho de 2.000 cientistas do IPCC, usando todos os recursos técnicos. No entanto, da conclusão científica à formulação de políticas há um longo caminho. O aquecimento global é contestado por grupo de Bjorn Lomborg, autor de "O Ambientalista Cético". Acha que o problema não é assim tão devastador. Aconselha gastar o dinheiro contra a fome e a Aids.
O relatório de Nicholas Stern, produzido a pedido do governo britânico, argumenta, por seu lado, que vale a pena gastar agora. No mínimo, essa decisão vai economizar dinheiro no futuro. Um outro tipo de restrição vem dos nacionalistas. Sentem o movimento ecológico global como ameaça à soberania, nova face do velho imperialismo. Têm um argumento de peso. Estamos todos no mesmo barco planetário, uns mais confortáveis que os outros. Os ricos contribuíram mais com o aquecimento. A política brasileira sempre levou em conta o argumento. No entanto é limitado ver o aquecimento só como uma repartição de sacrifícios. É a visão de Bush, que não consegue enxergar muito além do petróleo.
Não se avalia o impacto de uma modernização ecológica da indústria chinesa. Nem as vantagens que uma potência natural como o Brasil poderia extrair do processo. Reflorestar a parte destruída da Amazônia, que é do tamanho de Santa Catarina, seria possível no contexto de um planeta consciente. O enfoque apocalítico abstrai as chances de uma nova revolução industrial que já está em curso. Ela pode não só retardar os efeitos do aquecimento como ampliar as riquezas. Não me refiro apenas aos produtos materiais.
A busca de novas formas de energia revela também a importância da matriz solar. Os biocombustíveis, nascidos da fotossíntese, passam a ter um grande papel. O grande perigo é reduzir os alimentos. O álcool produzido a partir do milho nos EUA acabou causando uma revolta no México, onde o preço do milho aumentou, atingindo a tortilha, comida popular.
O interessante, no Brasil, é que já tivemos em Sertãozinho experiências de justaposição da lavoura de alimentos com cana-de-açúcar. O projeto piloto mostrou como isso é possível num mesmo terreno. O aquecimento reaviva a discussão filosófica sobre o pessimismo contemporâneo. Isso pede mais espaço. Por que não resistir com toda nossa inteligência e garra?


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