Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Merval Pereira - Futuro promissor




O Globo
9/2/2007

A questão política que envolve o fornecimento de energia foi um dos destaques, tanto ontem aqui no Observatório de novas energias, seminário promovido pela Fundação Luso-Brasileira, quanto 15 dias atrás, no Fórum de Davos, na discussão sobre o futuro dos biocumbustíveis. As alternativas energéticas ao petróleo ganham cada vez mais espaço, não apenas pelas questões políticas ligadas à preservação do meio ambiente, mas também devido à politização das fontes de energia.

Seja pelos governos populistas da América do Sul, como a Venezuela, a Bolívia e o Equador, que estão a estatizar o petróleo e o gás, seja pelo crescente nacionalismo, que se registra nesses países e também na Rússia, citada ontem pela chefe da representação da Comissão Européia em Portugal, Margarida Marques, como uma das razões para que os países europeus se empenhem na pesquisa de combustíveis alternativos.

Ela, aliás, provocou alguns murmuros de protesto quando alistou a preservação das florestas tropicais, numa clara referência à Amazônia, entre as preocupações que a União Européia tem na busca de combustíveis limpos. O atentado ao gasoduto no Cáucaso em 2005, e as anteriores interrupções de suprimento por questões políticas com a Ucrânia ou para abastecimento interno russo, devido aos rigores do inverno, mostram o poder que a Rússia tem. Não apenas no jogo político regional com os países do Leste Europeu, antigos integrantes da União Soviética, mas também com repercussões na Europa Ocidental, que depende da distribuição do gás russo.

Esses "acidentes de percurso" fizeram com que vários países europeus começassem a repensar seus programas de energia alternativa, para não ficarem reféns de tipos de energia que dependem dos países que possuem as reservas naturais. Os investimentos em biodiesel mais que dobraram nos últimos três anos e já representam 10% de todos os investimentos no mundo em energia. No ano passado, cresceu mais 30%.

O Brasil é o líder mundial de produção de etanol através da cana-de-açúcar, e a Europa é o maior produtor de biodiesel, sendo a Alemanha responsável por mais da metade da produção. O Brasil tem carro movido a etanol desde 1979, e chegou a vender no ano passado um milhão de automóveis com a tecnologia flex fuel. O etanol da cana-de-açúcar tem uma eficiência até seis vezes maior do que o produzido com o trigo e o milho, como se faz nos Estados Unidos. Por ser menos competitivo, o governo americano subsidia os produtores.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel, Nivaldo Rubens, fez em sua apresentação a defesa da indústria brasileira, e uma crítica à maneira como está montado o sistema de produção de biodiesel no país. Para ele, é preciso definir que a produção de combustíveis alternativos deve ser baseada prioritariamente em matéria-prima que não sirva como alimento. Com isso, criticou tanto a produção de etanol através do milho e do trigo, quanto a fabricação de biodiesel pela soja. O preço dos alimentos sobe pela pressão do mercado e acaba havendo escassez do produto para a alimentação, ressaltou.

Nivaldo Rubens criticou também a exigência do governo de realizar a produção do biodiesel com base na agricultura familiar, com a necessidade de obtenção do selo social que comprove que a matéria prima veio da plantação de pequenos agricultores atendidos pelo Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Para o representante dos produtores de biodiesel, o governo não deu aos pequenos agricultores condições de atender à demanda, nem os capacitou tecnicamente para acompanhar as necessidades das indústrias.

Ele diz que o governo terá que rever os procedimentos se quiser continuar baseando o programa do biodiesel na agricultura familiar, e avisa que grandes multinacionais já estão preparadas para assumir toda a produção de matéria-prima, aguardando que o projeto do Pronaf não seja renovado quando se encerrar, este ano. Há, no entanto, exemplos de empreendimentos que vêm dando certo, como o caso da Ecodiesel, do ex-presidente da Vale do Rio Doce Jório Dauster, citado por Miriam Leitão, que montou uma rede de fornecedores organizada pelo Contag e recebe matéria-prima de cem mil famílias.

Parece estar havendo uma mistura de falta de organização por parte do governo, que quer fortalecer a economia familiar mas não montou um esquema que pudesse apoiar essa iniciativa que, mesmo sendo bem-intencionada, não basta para apresentar bons resultados econômicos, e uma manipulação de empresas multinacionais, que querem dominar toda a cadeia de produção dos combustíveis alternativos. Talvez a solução fosse não exigir que a matéria-prima fosse oriunda apenas da agricultura familiar, mas estimular a participação da iniciativa privada nesse projeto.

Uma outra queixa do Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel foi quanto à concorrência que a Petrobras vem fazendo, com investimentos pesadíssimos no setor. Assim como já acontece no petróleo e também na energia elétrica, há exemplos de interferência política que prejudica os investimentos também na área de energia alternativa. A Petrobras voltou a ser um braço político do governo, dando as cartas em diversos setores, afugentando a concorrência.

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