PARIS. O resultado da disputa pela presidência da Câmara poderia ser resumido numa manchete bombástica: PT e PSDB derrotaram o lulismo. Claro que não deve ter havido uma combinação nesse sentido, e nem mesmo as negociações políticas se fazem assim tão explícitas, especialmente em situação tão delicada, quando adversários se unem momentaneamente apenas para obter um resultado imediato. Mas, como a política é mutável como as nuvens, já ensinou a sabedoria mineira, o apoio tucano ao deputado petista Arlindo Chinaglia, que há duas semanas era uma capitulação por mera troca de cargos, na noite de quinta-feira transformouse em uma jogada política altamente sofisticada, que se justifica diante do panorama que se abre daqui até a eleição de 2010, que era o que estava sendo jogado mesmo na disputa pela presidência da Câmara.
O presidente Lula queria a reeleição de Aldo Rebelo para não fortalecer o PT, que, por oposição, tinha que impor um candidato para chamar de seu. A decisão do Campo Majoritário, de disputar com uma candidatura própria mesmo contra o desejo do presidente Lula, tinha o objetivo de não deixar que o lulismo dominasse o governo, para o PT voltar a ser um marco político nas decisões governamentais, recuperando sua capacidade operacional depois da debacle que representou a crise do mensalão e o episódio da compra do dossiê contra os tucanos paulistas na eleição do ano passado.
Já para o PSDB, a candidatura do deputado Geraldo Fruet pelo grupo independente representou a possibilidade de recuperar sua capacidade de fazer política em alto nível, e com os mesmos resultados, mas obtidos através de táticas mais sofisticadas do que a simples troca de apoios por cargos.
O desejo dos tucanos de derrotar o presidente Lula através da eleição de Arlindo Chinaglia no segundo turno tem toda a lógica política, e não foi por acaso que a direção partidária liberou o voto.
Além de ser inútil fechar questão em votação secreta, devido ao índice de traição comum nesse tipo de disputa, não havia chances práticas para tentar eleger Aldo Rebelo, como quis o PFL. Na sua encarnação oposicionista radical, o futuro Partido Republicano tentou uma manobra para derrotar ao mesmo tempo Lula e o PT, mas essa era uma manobra arriscada demais para ser utilizada pelo PSDB, o partido que disputa realmente o poder com o PT e, sobretudo, com o lulismo que se cristalizou na última eleição presidencial, acima dos partidos e dependendo apenas da ação populista do governo e do carisma pessoal de Lula.
Tanto para o PT quanto para o PSDB, uma reafirmação do poder personalista do presidente Lula não seria nada bom. Com a vitória de um presidente da Câmara como Aldo Rebelo, oriundo de uma coligação de esquerda que unia PCdoB, PSB e PDT, e que deveria sua reeleição à pressão de Lula sobre os partidos da coalizão, o governo estaria à vontade para montar um Ministério à maneira que o presidente quisesse, sem que nem PMDB nem PT tivessem força política para prevalecer na composição.
Foi essa percepção que fez o PMDB oferecer ao PT a presidência da Câmara.
Um presidente livre de pressão partidária, e vivendo de seu prestígio pessoal, poderia lançar um candidato à sua sucessão que não fosse necessariamente do PT, mas da base aliada. Não que Lula quisesse ontem, ou queira hoje, que Ciro Gomes ou outro qualquer da base aliada vença a sua sucessão. O que ele quer mesmo é deixar claro que o PT não tem alternativa que não seja ele, preparandose para voltar a disputar a Presidência em 2014.
Isso se não der certo a tentativa de disputar um terceiro mandato, que em algum momento nos próximos anos vai ser levantada, como muito bem apontou o cientista político Leôncio Rodrigues. Essa é uma possibilidade que vem sendo discutida entre os tucanos há algum tempo, e fortalecer o PT agora contra Lula faz parte de um combate de longo prazo a essa possibilidade.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, antes mesmo da entrevista de Rodrigues, já havia alertado tanto José Serra quanto Aécio Neves de que deveriam parar de insistir na tese do fim da reeleição, pois ele está convencido de que, com a mudança da regra, haverá sempre um parecer jurídico para afirmar que o presidente Lula terá direito a disputar novamente a Presidência.
Para os governadores Aécio Neves e José Serra, potenciais candidatos à Presidência pelo PSDB, a pior situação seria ter que disputar a próxima eleição com o presidente Lula como candidato, apoiado mais uma vez pela força eleitoral do Bolsa Família e pelos demais programas assistencialistas do governo, que serão reforçados brevemente por um PAC social. Fortalecer o PT agora significa alimentar o sonho do partido de ter um candidato próprio à sucessão de Lula, restringindo a manobra pelo terceiro mandato a um projeto pessoal de Lula e de seu grupo exclusivo de amigos e assessores.
A força eleitoral dos programas sociais do governo, em especial o Bolsa Família, que sempre foi intuída pelos políticos, ficou demonstrada pela primeira vez com números consistentes em um trabalho que o cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, junto com Vitor Peixoto, apresentou em recente fórum do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), presidido pelo ex-ministro Reis Velloso.
O trabalho de Nicolau mostra que cada R$ 100 de aumento per capita do Bolsa Família traz um acréscimo de três pontos percentuais na votação de Lula nos municípios.
O grau de pobreza (ou riqueza) das cidades; os valores recebidos pelas famílias do Programa Bolsa Família entre 2003 e 2006; e a região em que o município se localiza foram fundamentais para a variação da votação de Lula pelo território nacional, e explicam 63% da variação do voto entre os municípios.
(Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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