PARIS. O trabalho “As Bases Municipais da Votação de Lula em 2006”, do cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, e Vitor Peixoto, doutorando em Ciência Política do mesmo instituto, apresentado no Fórum Nacional online do Instituto Nacional de Altos Estudos, presidido pelo ex-ministro Reis Velloso, confirma pela primeira vez, com base em análise dos dados oficiais da última eleição presidencial desagregados até o nível dos municípios, o que já se intuía: a votação do presidente Lula em 2006 “está claramente associada” aos efeitos do Bolsa-Família, que explicam pelo menos 63% de sua votação. E que o programa foi direcionado para os municípios onde Lula teve resultados fracos em 2002.
Os cruzamentos com os resultados da eleição de 2002 mostram que seu desempenho em 2006 sempre foi melhor “à medida que pioram as condições sociais dos municípios brasileiros”. Os resultados dessa ação “são impressionantes”, segundo os pesquisadores, que chegaram a traçar com base neles a seguinte “cadeia de causalidade”: 1. Em 2002 Lula tem votação bem distribuída pelo país, mas proporcionalmente melhor nas áreas mais desenvolvidas.
2. O Governo implementa durante o seu mandato políticas públicas que favorecem as áreas mais pobres da população; entre esses programas destaca-se o Bolsa-Família, que investe mais de R$ 17 bilhões em quatro anos, mais da metade deles no Nordeste.
3. Em 2006, as áreas que mais se beneficiaram das políticas implementadas pelo Governo (particularmente municípios de baixa renda, majoritariamente concentrados nas regiões Norte e Nordeste) votam no candidato que implementou essas políticas.
A comparação dos dados revela “uma mudança de perfil” no eleitorado de Lula entre os dois pleitos. Em 2002, o percentual de votos de Lula cresce à medida que as faixas dos eleitores dos municípios são aumentadas. Já em 2006, o melhor resultado de Lula foi obtido nas pequenas cidades, particularmente na faixa entre 10.001 e 20.000 eleitores, onde recebeu 54,3% dos votos válidos no primeiro turno e 64,2% no segundo.
Comparativamente a 2002, mostra o estudo de Nicolau e Peixoto, Lula teve um declínio de sua votação, nos dois turnos, nas cidades com mais de 50.000 eleitores e um crescimento nas cidades com eleitorado inferior a este patamar. Pela primeira vez um candidato vitorioso perdeu em todos os estados de uma região, no caso o Sul do país.
Em contraste, Lula obteve no Nordeste patamares de votos nunca obtidos por outros candidatos em qualquer região do país em disputas anteriores. Os pesquisadores mostram que a alta concentração dos recursos do Bolsa-Família aconteceu justamente na Região Nordeste, onde nada menos que 53,7% do total foi invertido, sabidamente a área de maior concentração de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza no Brasil.
A associação entre o programa Bolsa-Família e a renda dos municípios brasileiros mostra que quanto mais pobre é o município, mais recursos per capita ele recebeu do Bolsa-Família, e quanto maior o IDHM-Renda, pior a votação obtida por Lula. Os pesquisadores ressaltam que esses dados “não nos permitem dizer que Lula tenha sido votado pelos pobres, mas apenas afirmar que ele teve votação expressiva nos municípios mais pobres do Brasil”.
No entanto, a associação entre o percentual de votos obtidos por Lula e os gastos do Bolsa-Família é expressiva e indica que Lula obteve percentualmente mais votos nos municípios que receberam mais recursos per capita do Bolsa-Família.
O último passo foi investigar como as variáveis explicativas — como a região; o IDHM-Renda; os valores do Bolsa Família per capita — se comportam quando consideradas simultaneamente.
“Os resultados são contundentes” afirmam os pesquisadores.
As três variáveis selecionadas explicam 63% da variação da votação de Lula.
O estudo demonstra que o aumento do IDHM-Renda tem efeito negativo sobre o percentual de votos do candidato à reeleição. E que cada R$ 100 de aumento per capita do Bolsa-Família trazem um acréscimo de 3 pontos percentuais na votação de Lula nos municípios.
A manipulação desses instrumentos de assistencialismo social, que serão turbinados proximamente por um PAC social, dão ao presidente Lula uma força eleitoral acima dos partidos que o transforma em um líder salvacionista difícil de ser superado, mesmo com a economia estagnada.
Mas, sem a perspectiva de um terceiro mandato, o presidente Lula é um “pato manco”, que na gíria americana identifica o político sem perspectiva futura imediata.
Por isso, pode fingir que venceu a eleição na Câmara, mas sabe que perderia de qualquer maneira, fosse o eleito Chinaglia ou Aldo Rebelo, a quem abandonou e jogou para a oposição quando viu que não poderia impedir a candidatura petista, que tentou reverter várias vezes. Só no dia da votação, quando sentiu que o petista deveria ganhar, foi que Lula se referiu ao critério da proporcionalidade para, de maneira indireta, defender a candidatura de Chinaglia.
Por isso também Lula não tem pressa de montar seu segundo governo, preferindo um ministério formado pelo segundo escalão do primeiro mandato, mais seu do que dos partidos.
PT e PMDB, que saíram fortalecidos da eleição da Câmara com o acordo que fizeram, estão prontos para cobrar maior presença no segundo governo.
Ao contrário, com a possibilidade teórica de o PAC dar resultado e a manutenção dos programas sociais, Lula é candidato à reeleição indefinida, difícil de ser obtida, mas uma muleta para dar fôlego ao “pato manco”, pelo menos enquanto essa “ameaça” for uma hipótese plausível nos meios políticos.
Entrevista:O Estado inteligente
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