A economia não será mais a mesma depois do relatório do IPCC. Já houve outros relatórios sobre o painel de cientistas que a ONU montou para estudar as mudanças climáticas, mas, em relação ao estudo de 2001, aumentaram as certezas sobre o que causa o fenômeno e a atenção do público em geral. Para diminuir o peso da nossa presença na Terra, muita coisa vai mudar. Não basta uma boa maquiagem; as mudanças terão que ser mais profundas.
Não adianta adicionar ao produto o nome ecológico, ambiental, sustentável, natural ou verde. O consumidor, as grandes empresas compradoras, os países compradores querem selos, certificação, mudança de material, coerência entre discurso e ação.
O Brasil tem olhado as mudanças que estão chegando na demanda por energia limpa como sua grande chance. Em geral, a situação é posta assim: somos pioneiros no Proálcool, já estamos produzindo biodiesel, temos terras e somos produtivos; portanto, vamos ganhar. Tudo é mais complicado neste mundo novo em que a ordem é produzir energia causando o menor dano possível ao meio ambiente.
Se for levada adiante a proposta feita pelo presidente Bush de substituir 20% do consumo de gasolina por etanol, nos próximos 10 anos, seria preciso que a produção de álcool lá alcançasse 130 bilhões de litros por ano. Isso é sete vezes mais que o produzido hoje. Além de mudar os parâmetros da matriz energética mundial, essa poderá ser uma oportunidade para o álcool brasileiro.
O álcool produzido no Brasil, como se sabe, enfrenta barreiras no mercado americano. Em algum momento, elas vão cair, mas, de qualquer maneira, o produtor brasileiro terá que prevenir outras barreiras que possam surgir contra o produto, as barreiras verdes, e o país precisa se proteger contra a pressão da produção de biocombustível sobre as matas nativas.
O embaixador Jório Dauster, quando esteve recentemente fazendo um r oadshow na Europa da Brasil Ecodiesel, empresa que dirige, a maior produtora de biodiesel do país, ouviu, em cada apresentação, a mesma pergunta: — Esse diesel está sendo produzido em área desmatada da Amazônia? É a primeira pergunta que todos os produtores terão que responder. Portanto não basta garantir que seu produto emite menos gases poluentes quando é usado; ele precisa ser produzido de forma amigável ao meio ambiente. Não apenas não desmatando, mas também mostrando que, no balanço geral do produto, não houve mais emissão que aquela que supostamente estaria se tentando poupar. Como, por exemplo, usar energia fóssil para produzir energia verde. Ninguém vai se deixar enganar, hoje quem está preocupado com o tema saberá ver os erros embutidos no produto.
Há muito espaço para diversos tipos de energia que o Brasil pode produzir: álcool, biodiesel, bioeletricidade.
O professor Mário Veiga Pereira explica que a bioeletricidade é o melhor uso de uma energia que o Brasil já produz, o álcool da cana-de-açúcar, que tem como subproduto o bagaço.
— A co-geração de eletricidade a partir do bagaço da cana-de-açúcar é a energia mais competitiva do Brasil, mais barata, inclusive, que a geração hidrelétrica, e sem qualquer subsídio. Em termos de potência instalada, pode-se ter, nos próximos anos, em bioeletricidade, o equivalente à soma dos “megaprojetos” Madeira e Belo Monte.
Ele acha que, para isso, basta “pegar carona” nos novos investimentos feitos para produção de açúcar e etanol (cerca de 100 usinas, que aumentarão a capacidade de processamento de cana dos atuais 450 milhões de toneladas para 1 bilhão de toneladas).
As próprias hidrelétricas, normalmente consideradas energia limpa e renovável, terão que ser repensadas.
Os lagos que formam emitem metano e destroem biodiversidade. E elas usam a água — recurso cada vez mais escasso e público — como se a elas pertencesse. Tudo hoje tem um novo olhar.
O modo de produção vai mudar nos próximos anos e décadas. Os prédios, que nos Estados Unidos são responsáveis por 40% da emissão de gás carbônico, terão novas tecnologias de construção, com controle mais inteligente para poupar energia e com uso de materiais que embutem menos energia no processo de produção.
Veículos terão novas tecnologias, materiais e design.
Novas oportunidades se abrem, mas novas cobranças serão feitas aos produtores na própria cadeia de produção. O Brasil, que se oferece ao mundo como um dos mais eficientes produtores de alimentos e mais competitivos produtores de energia de origem vegetal, terá que compatibilizar os dois produtos — alimentos e energia — e tudo com respeito ao meio ambiente.
O mundo está de olho exatamente em como o país fará o que se propõe a fazer sem destruir seus biomas, principalmente a Amazônia.
Para quem acha que tudo isso é moda passageira e logo, logo, vão se descobrir novas teorias mostrando que nada disso é sério, um aviso: os cientistas estão neste debate e nestes estudos há décadas. O grande conflito entre céticos e os que sustentam que o problema, de fato, existe já foi vencido pelo último grupo.
Os céticos tiveram seu grande momento com o apoio do governo Bush. Mas até Bush já fala em “sério desafio da mudança climática global”. Até ele entregou os pontos. O que o IPCC fez foi coroar de êxito quem vem alertando para o perigo, porque se chegou a 90% de certeza de que o que está em marcha é provocado pelo ser humano. O tema permanecerá conosco; o nosso estilo de vida e produção é que terá de mudar.
Entrevista:O Estado inteligente
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