Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Merval Pereira - Babel




O Globo
7/2/2007

No filme mexicano "Babel", há uma cena que reflete bem o debate sobre planejamento familiar que está ocorrendo no mundo, em especial aqui na Europa. O personagem de Brad Pitt, perdido numa pequena vila do interior do Marrocos aguardando a chegada de socorro médico para sua mulher, atingida por uma bala perdida no meio do deserto, conversa com seu guia marroquino. Enquanto mostra as fotos de seus dois filhos, pergunta quantos o marroquino tem. "Cinco", responde o guia, para em seguida afirmar: "Você deveria ter mais". É uma entre muitas referências sobre o que separa os valores dos países ricos dos pobres, e um dos muitos temas da modernidade que o filme aborda com maestria.

Aqui em Portugal, teremos no próximo domingo o referendo sobre o aborto, de resultado imprevisível. Entre tantos argumentos religiosos, morais e mesmo de saúde pública, um dos pontos em discussão é a taxa de fertilidade de Portugal, atualmente de 1,42, abaixo, portanto, da taxa de reposição, que seria de 2,1 filhos por mulher. A França está comemorando ter atingido os dois filhos por mulher em 2006, nível sem igual nos últimos 30 anos, que coloca o país como o mais fecundo da Europa, e em condições da renovar naturalmente as gerações.

Os países desenvolvidos se esforçam por fazer parar a queda da sua natalidade, e a média atual na Europa é de 1,5 filho por mulher. A taxa norte-americana era de 2,05 filhos por mulher em 2004. No Brasil, temos o problema inverso: em 37 anos, a população brasileira mais que dobrou em relação aos 90 milhões de habitantes da década de 70. No Fórum de Davos, há duas semanas, o ministro Luiz Fernando Furlan teve que falar várias vezes sobre a questão demográfica brasileira.

O debate lá se dava sobre as conseqüências futuras do crescimento da natalidade nos países mais pobres, fazendo com que "batalhões de jovens" tenham poucas perspectivas de emprego. A população mundial está prevista para atingir 9 bilhões de pessoas pelo ano 2050, e a maioria estará em condições precárias. O diretor da Escola de Estudos para o Século 21 da Universidade de Oxford, no Reino Unido, Ian A. Goldin, prevê que haverá uma reorganização do poder global "e esta será uma história dramática".

Segundo ele, os países em desenvolvimento serão responsáveis por 7,8 bi desses 9 bi, terão aumentado incrivelmente seu PIB "e exigirão assumir papéis de liderança". "Será inevitável uma transferência de poder do G-8 atual para o G-20", analisou.

Embora os estudos demográficos demonstrem que as famílias brasileiras estão tendo cada vez menos filhos, ainda temos regiões do país com índices africanos. Em 1960, a média era de seis filhos por mulher. Caiu para 2,89 em 1991 e, em 2000, para 2,39, e a previsão é de que em 2023 a média deverá ser de 2,01 filhos por mulher - ou seja, a mera reposição das gerações. O número de filhos nas famílias brasileiras caiu 60% em 40 anos no Brasil, saindo de uma média de 6,2, em 1960, para 2,39, em 2000.

Mas as disparidades ainda são imensas. As regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul estão perto da taxa de reposição, que é de 2,1 filhos. Já o Norte tem a média de 3,16 e o Nordeste, de 2,7. A taxa de fecundidade varia de acordo com a renda e, principalmente, a escolaridade. A brasileira que vive em famílias pobres - renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo - tem média de até 5,3 filhos, comparável a alguns países da África. E a média de filhos de mulheres em famílias de maior renda é de 1,1 filho.

O engenheiro Francisco Alves dos Reis, estudioso do assunto, fez uma conta interessante pegando a média das taxas de crescimento anual de nosso PIB para o período de 1995 a 2006, de 2,8%, e a taxa média geométrica de crescimento anual da população, para o mesmo período, que calculou em cerca de 1,5%, e encontrou uma taxa média geométrica de crescimento anual de nosso PIB per capita de 1,28%.

"Se a taxa média geométrica de crescimento anual de nossa população pobre tivesse sido de cerca de 0,6%, como a de nossa população não pobre é hoje, e não de cerca de 3%, a taxa média geométrica de crescimento anual de nosso PIB per capita teria sido de 2,19%", raciocina ele, uma taxa 71% superior à que tivemos. "Com o crescimento de 1,28%, o PIB per capita dobraria em 54,5 anos, enquanto um crescimento anual de 2,19% significaria dobrar o PIB per capita em 32 anos", ressalta o engenheiro Francisco Alves dos Reis.

O sociólogo Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE e atual diretor do IPP, da Prefeitura do Rio, relembra o cálculo do demógrafo Kaizo Beltrão para o Rio de Janeiro: o número de filhos a mais que as mães moradoras de favelas têm em relação à média das mães da cidade, somado à migração (que embute a fecundidade "extra" das mães de outros estados e municípios), responde por mais da metade do crescimento da população de favelas do Rio entre 1991 e 2000 - últimos censos do IBGE.

Segundo ele, "não há exemplo no mundo de país que tenha se desenvolvido sem que a taxa de fecundidade tenha caído". Já está provado que a taxa de fecundidade no Brasil "é totalmente correlacionada à escolaridade das mães. A do Piauí é bem maior que a do Paraná, mas, se o corte for pelos anos de estudo das mães, o resultado será exatamente igual, no Piauí ou no Paraná", ressalta Besserman.

O caminho da educação e da informação foi o que o governo escolheu, segundo o ministro Luiz Furlan, em todos os debates que teve em Davos, para enfrentar a questão demográfica no país, com o que concorda o sociólogo Sérgio Besserman: "A forma eficiente de reduzir o número de filhos por mulher seria continuar no caminho de mais escolaridade e, por conseguinte, mais liberdade para as mulheres".

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