Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Cui bono? - Alexandre Schwartsman



Folha de S. Paulo
7/2/2007

O crescimento da importação permitiu em 2006 queda mais forte do juro e, portanto, expansão maior do consumo

NO DOMINGO, a Folha publicou uma reportagem sugerindo que as importações teriam reduzido o crescimento do PIB em 1,7 ponto percentual no ano passado, pois parcela da crescente demanda doméstica teria sido atendida pelo aumento das importações em detrimento da produção nacional. Dessa forma, argumenta a reportagem, não fosse a expansão das importações, o crescimento do produto em 2006 poderia chegar a 4,5%, contra os 2,8% que se espera. Acredito, porém, que o argumento seja falho: confunde contabilidade nacional com análise econômica e, levado às últimas conseqüências, implica recomendações exóticas de política.
Nas contas nacionais, as importações aparecem com um sinal negativo: como a demanda doméstica pode ser atendida pela produção local ou pelas importações, um aumento destas, para um dado nível de demanda, implica queda da produção local. Acontece, porém, que -seja no Brasil, seja em qualquer quadrante da galáxia- as importações apresentam tendência de crescimento, o qual é deduzido do aumento do PIB. Deveríamos concluir, portanto, que permitir o crescimento das importações reduz o ritmo de expansão econômica? Vejamos o caso do Brasil.
Segundo o IBGE, as importações cresceram em 11 dos últimos 15 anos. Vale dizer que, nestes 11 anos, houve uma contribuição negativa das importações para o PIB na ótica das contas nacionais (média de -1,3%), enquanto nos quatro anos restantes a queda das importações contribuiu positivamente para o crescimento (média de 1,2%).
Assim, se o raciocínio por trás da reportagem citada estivesse correto, deveríamos esperar que nestes quatro anos o PIB tivesse crescido em média mais que nos 11 anos de importações em alta. No entanto o crescimento médio nos anos em que as importações aumentaram foi de 3,3%; nos anos em que as importações caíram, foi de apenas 0,8%, precisamente o oposto ao sugerido pela visão contábil, o que não ocorre por acaso.
De fato, o erro dessa ótica consiste em ignorar os efeitos das importações sobre preços, juros e câmbio e, portanto, desprezar a reação dos demais componentes da demanda. Quando essas considerações são trazidas à tona, percebe-se que o crescimento das importações desempenha ao menos dois papéis importantes para a expansão da demanda, fora efeitos positivos que possa ter sobre produtividade e expansão da oferta.
O primeiro é relativamente fácil de entender: a concorrência com produtos importados ajuda a manter preços sob controle, trazendo a inflação para baixo. O segundo, mais complexo e importante, refere-se à liberação dos recursos (capital e trabalho) empregados nos setores sujeitos à concorrência externa para a produção de outros bens e serviços. Ambos os efeitos contribuem para que a demanda doméstica possa crescer de forma mais vigorosa do que poderia na ausência das importações, graças às menores pressões inflacionárias.
Concretamente, o crescimento das importações permitiu em 2006 queda mais forte da taxa de juros e, portanto, uma expansão mais intensa de consumo e investimento (a propósito, não sei de onde saiu o cálculo apresentado na reportagem sobre o consumo aparente de máquinas e equipamentos ter caído no ano passado: a produção de bens de capital aumentou 5,7%, as importações, 24%, e as exportações caíram 1%, o que matematicamente se traduz num aumento de 12% do consumo aparente).
Além disso, a recomendação de política econômica que se depreende da noção de que a expansão das importações teria implicado menor crescimento do PIB é, no mínimo, extravagante. Se isso fosse verdade, seria possível acelerar o aumento do PIB reduzindo as importações a cada ano. Dado, porém, que a importação é uma grandeza finita (e, diga-se de passagem, não muito alta no Brasil, 12% do PIB), essa estratégia não poderia ir muito longe: para fazer o PIB crescer 1% anuais a mais nos próximos quatro anos, a queda das importações teria que ser da ordem de 8% ao ano, o que as reduziria à metade em pouco mais de oito anos.
Obviamente essa recomendação -ainda que agrade aos suspeitos de sempre- não faz o menor sentido. Sempre haverá, é claro, os que defendem uma maior proteção da produção local, mas esta se dará às expensas do menor crescimento do consumo e do investimento, ao contrário do ocorrido em 2006.
Passar da contabilidade para a economia requer um pouco mais de esforço.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

alexandre.schwartsman@hotmail.com

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